JOÃO RAIMUNDO DOS SANTOS, O “JOÃO COREMAS”: REI DA IRMANDADE DOS NEGROS DO ROSÁRIO DE POMBAL
Jerdivan Nóbrega de Araújo
João Raimundo dos Santos, popularmente conhecido como “Seu João Coremas”, nasceu em 23 de junho de 1927 na cidade de Coremas, Paraíba. Ele faleceu em 17 de setembro de 2025, aos 98 anos, e não aos 105 como chegou a ser divulgado. A discrepância na idade deveu-se a uma alteração em sua documentação feita pelo sindicato rural para viabilizar sua aposentadoria como agricultor. No entanto, ele sempre afirmou com convicção que sua verdadeira data de nascimento era 23 de junho de 1927.
Ingressou na Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal em agosto de 1954 e foi eleito seu Rei no ano de 1991. Seu governo, que se estendeu por 23 anos, foi marcado por significativas dificuldades financeiras e administrativas. Naquele período, a Irmandade já não contava com o mesmo apoio da igreja, da população e do comércio local, tornando a arrecadação de fundos uma tarefa extremamente difícil. Esses desafios foram meticulosamente registrados nas atas das reuniões do grupo.
Sua primeira eleição ocorreu em 26 de agosto de 1991, substituindo o rei anterior, Antônio Felismino de Sousa. “Seu João Coremas” permaneceu como rei até 5 de janeiro de 2014, sendo reeleito sucessivamente ao longo desse período. Sua renúncia foi motivada pelo profundo abalo causado pela perda de sua esposa, que o fez sentir-se sem o mesmo ânimo para administrar a confraria. A Irmandade, compreensiva, não aceitou de imediato sua renúncia, concedendo-lhe um tempo para se recuperar. Durante esse intervalo, o irmão de opa Edmilson Nery assumiu interinamente.
Rei e rainha da Irmandade do Rosário de Pombal
Em seus relatos, Seu João descreveu que assumiu a administração da Irmandade em uma situação crítica: as reuniões estavam paralisadas por falta de membros na diretoria e, quando ocorriam, eram palco de constantes desentendimentos entre os irmãos. Ele sentia que não possuía a liderança necessária para manter o grupo unido. Em cada reunião, ele apelava aos irmãos pela continuidade da Irmandade, ressaltando sua importância histórica e clamando incessantemente pela paz dentro da Confraria.
A ata de 14 de agosto de 1994 evidencia outra grande preocupação de seu governo: a precária situação financeira. A igreja precisava de urgentes reparos; o telhado era “uma peneira” e os sinos necessitavam de conserto. Diante da falta de recursos, o próprio rei saiu em busca de esmolas pelos sítios e comércios, para realizar um reparo paliativo no telhado e dar uma reforçada nos sinos.
O Juiz João Coremas sempre exigia maior empenho dos irmãos, especialmente nas campanhas de esmola do mês de outubro, quando as despesas aumentavam consideravelmente com a proximidade da Festa do Rosário. Ele também era rigoroso na admissão de novos membros. Muitos voluntários que desejavam ingressar na confraria eram vetados por ele devido ao excesso de bebida, má reputação na cidade ou por não serem frequentadores assíduos da igreja – um requisito fundamental em sua administração para se tornar um irmão de opa.
Foi através de muita luta e uma administração austera que, apenas a partir de 2001, o balanço financeiro da Irmandade finalmente alcançou o equilíbrio entre arrecadação e gastos. Com as finanças estabilizadas, Seu João pôde inclusive auxiliar financeiramente irmãos que passavam por privações.
Em entrevista que me concedeu em sua residência na rua dos Pereiros, no ano de 2014, Seu João Coremas falou sobre o passado e o futuro da Confraria, expressando profunda preocupação com a interferência do pároco de Pombal nas finanças da entidade.
Ele relatou que, por diversas vezes, precisou usar sua minguada aposentadoria para saldar dívidas deixadas pela festa do ano anterior, assumindo um ônus que, em sua visão, não era de sua responsabilidade. A situação culminou em um evento traumático por volta de 2012, com a chegada de um novo pároco à cidade que, segundo Seu João, “não via importância na Irmandade”.
A relação deteriorou-se ao ponto de a Confraria ser expulsa da igreja pelo padre, um fato extremo que causou grande revolta entre os confrades. Pela primeira vez desde que passou a administrar a Igreja do Rosário, em 1895, a Irmandade foi forçada a realizar suas reuniões em outro local – no caso, na própria residência do Juiz João Coremas.
A indignação dos membros foi tão significativa que foi registrada formalmente em ata, com a seguinte redação:
“O irmão José Felismino, reclamou da reunião fora da Igreja. O confrade Antenor, disse-nos: a igreja é dos Negros. Expedito: era para ter um representante da Igreja. Disse o Juiz: eles sabem o que é certo. Mais uma vez falou Expedito: tá havendo discriminação com o folclore e com os meus trabalhos… E também falei que pela primeira vez estávamos realizando uma reunião na casa de um rei da irmandade”. (Sessão do dia dois de abril de 2012)
Na reunião do dia 10 de agosto de 2003, o tesoureiro cobra do padre o pagamento dos fogos da festa, ainda do ano anterior, que até aquela data não haviam sido pagos ao fornecedor.
O Padre demonstrando total desconhecimento da história da Irmandade dos Negros Rosário de Pombal, comete o equívoco de criar um “Conselho Administrativo” para tratar dos assuntos da Confraria, mais notadamente dos que envolvem o dinheiro das arrecadações de esmolas, ignorando que a entidade tem seus próprios estatutos, e que nele há pormenorizado todas as atividades do Juiz e do Tesoureiro.
A admiração e o respeito dos filhos de Pombal para com o Rei e sua Rainha
Um dos maiores desejos de toda a sua gestão foi o de retornar a “Casa do Rosário” à posse da confraria. Ele argumentava, com razão histórica, que a casa pertencia legitimamente à Irmandade, pois havia sido construída e reformada com o suor e o dinheiro esmolado por seus devotos nos sítios e vizinhanças de Pombal, evoluindo de uma simples casa de taipa para uma construção alicerçada em tijolos.
Já cansado pelo peso da idade, o Juiz João Coremas renunciou ao cargo após 23 anos como rei e sessenta anos de dedicação à Confraria. O fator decisivo foi não mais suportar o peso da longa caminhada na Procissão do Rosário.
Em reconhecimento à sua imensa contribuição e dedicação, em reunião para eleger seu sucessor, os irmãos da confraria concederam-lhe por unanimidade o título honorífico de REI PERPÉTUO ou REI EMÉRITO da Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal, eternizando seu legado.
Seu João Coremas sai da vida para entrar para a história da cidade de Pombal como uma das pessoas mais importante para a preservação da sua cultura.
Viva o Rei!
Jerdivan Nóbrega é escritor e pesquisador.