José Tavares de Araújo Neto
João Pereira de Sousa, conhecido como João da Mancha, foi uma figura enigmática da Polícia Militar da Paraíba. Homem negro e analfabeto, ele carregava no rosto um estigma singular: uma grande mancha branca, causada pelo vitiligo, uma doença de pele que lhe deixou um lado do rosto branco e o outro escuro. Sua trajetória sinistra teve início em meados da década de 1920, quando passou a integrar as forças volantes paraibanas. Após o assalto do bando de Lampião à cidade de Sousa, as forças paraibanas, sob o comando geral do coronel José Pereira Lima, começaram a atuar em parceria com as forças do Estado de Pernambuco, comandadas pelo tenente Teófanes Torres Ferraz.
Naquele tempo, os “serviços” de João da Mancha eram disputados por vários comandantes de forças volantes, incluindo os tenentes José Maurício, Manuel Benício, João Costa e Ascendino Feitosa, além dos sargentos Clementino Quelé e Zé Guedes. As forças paraibanas não costumavam levar cangaceiros para a cadeia. Os que eram capturados com vida eram executados ali mesmo, preferencialmente por meio de sangramento. João da Mancha era extremamente cumpridor das ordens dos seus superiores. Em certo tempo, pelos seus “relevantes” serviços, ele foi promovido a cabo.
No entanto, dias depois, ele procurou seu chefe imediato para devolver o galão, alegando que não se sentia preparado o suficiente para tamanha responsabilidade. A sua patente foi mantida. João da Mancha se tornou um personagem bastante conhecido pela oralidade e pela crônica policial do interior da Paraíba, mas seu nome só foi citado pela grande imprensa pela primeira vez através do jornal A Noite, do Rio de Janeiro, em 7 de fevereiro de 1930. Na reportagem intitulada “As Violências da Polícia Paraibana”, o sr. Antônio Soares de Souza Lima, comerciante e agricultor em Barra de Santa Rosa, no município de Picuí, denunciou ter sido preso e maltratado por discordar da orientação política do governo do estado. Soares relatou ter sido detido e submetido a maus-tratos por João da Mancha, que o teria ameaçado de morte e o mantido em condições precárias de encarceramento.
Dedos cortados como recordação
Lima também relatou que João da Mancha foi responsável por sangrar uma mulher revoltosa anos antes e que ainda guardava os dedos dela como “recordação”. Em matéria de 21 de junho de 1950, publicada no mesmo jornal A Noite, João da Mancha foi novamente destacado, desta vez como integrante da guarda pessoal do então senador José Américo de Almeida, a tenebrosa “Guarda Negra”, liderada pelo truculento coronel José Maurício da Costa, que vinha cometendo vários crimes, incluindo ameaças, surras e assassinatos. José Américo de Almeida sempre teve uma ligação muito próxima com o tenente José Mauricio. Conforme consta no livro de nossa autoria A Odisseia de José Américo de Almeida na Revolta de Princesa, no início da Revolta de Princesa, precisamente em meados de março de 1930, o tenente, já reformado, foi chamado de volta à ativa pela Polícia Militar da Paraíba e designado para assumir a delegacia de Areia, terra de José Américo.
Nesse período, o ex-presidente estadual João Suassuna, refugiado com a família em São José do Egito (PE) por questões de segurança, recebeu de Heráclito Cavalcanti um telegrama alertando-o sobre um suposto plano para assassiná-lo, tendo José Maurício como executor. A mensagem informava que o oficial já estaria a caminho, que havia pernoitado em Patos, e que uma numerosa força seguia para Princesa. Temendo pela vida, Suassuna transferiu-se com a família para o Recife. Em uma loga entrevista, concedida entre maio de 1978 e agosto de 1980, a pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba, o tenente-coronel reformado Manuel Arruda revelou detalhes cruciais sobre a participação de João da Mancha nos episódios sangrentos que marcaram a passagem da Coluna Prestes por Piancó, em 1926, a Revolta de Princesa e o assassinato de João Dantas e seu cunhado, Augusto Caldas, em Recife, em 1930 Na narrativa de Arruda, João da Mancha emerge nos relatos como uma figura central na repressão violenta daquele período. Conta ele que o tenente-coronel Elísio Sobreira mandou João da Mancha sangrar três prisioneiros integrantes da Coluna Prestes: uma mulher preta que amanheceu bêbada e desligou-se da Coluna, e mais dois revoltosos, dentre estes, um cabo artífice da Polícia de São Paulo, que foi libertado graças à intervenção do Padre Cícero, que foi acionado pela sua família de São Paulo. Foi justamente dessa mulher que João da Mancha guardou as orelhas como recordação.
O que mais sangrou gente durante Revolta
Segundo Arruda, o cabo João da Mancha foi “o que mais sangrou gente” durante a Revolta de Princesa — expressão que traduz a severidade das execuções sumárias promovidas pela polícia paraibana. Em Santana dos Garrotes, ele teria participado diretamente do “sangramento” de vários prisioneiros. Na entrevista, o tenente Manuel Arruda faz diversas revelações bombásticas sobre João da Mancha e sua participação no assassinato de João Dantas e Augusto Caldas, ambos presos em Recife após a morte de João Pessoa. Ele conta que ouviu do próprio tenente Ascendino Feitosa, inimigo figadal da família Dantas, que comandou a invasão à Casa de Detenção. O tenente Ascendino é descrito como frio e calculista. Quando a Polícia da Paraíba invadiu a cela onde estavam os presos, João da Mancha foi quem efetivamente matou os dois com um bisturi. Conforme o relato de Arruda, foi João da Mancha quem, com um bisturi, desferiu os golpes fatais. Orientado pelo médico Luiz de Góes, que indicou a carótida para o corte, João da Mancha executou o ato brutal.
A resistência de João Dantas foi marcada por uma luta corporal, durante a qual sofreu um golpe acima da sobrancelha. Já Augusto Caldas, que suplicou pela própria vida, não teve seu pedido atendido e também foi executado. O tenente Arruda manifestou clara reprovação à brutalidade do ato, afirmando que ele próprio não faria o mesmo com um preso indefeso. No contexto da Revolta de Princesa, Arruda destaca que a violência não foi exclusividade das forças policiais. José Pereira, líder do levante, contou com o apoio de cangaceiros, configurando um cenário de confronto feroz entre lados que usaram a força para tentar impor suas posições. A Polícia da Paraíba, entretanto, é apontada por Arruda como especialmente dura, com execuções sumárias e ações violentas que marcaram a repressão.
Arruda conta ainda que visitou João da Mancha no Hospital Santa Isabel, na capital paraibana, na véspera de sua morte, vítima de câncer. Em síntese, a imagem que delineia de João da Mancha é a de um agente implacável no cumprimento das ordens de seus superiores, sem demonstrar qualquer remorso; ao contrário, agia com a convicção de estar cumprindo seu dever. Seu nome permanece como símbolo da violência policial que marcou o combate ao cangaceirismo, a Revolta de Princesa e o trágico desfecho do episódio envolvendo João Dantas e Augusto Caldas.
José Tavares é escritor e pesquisador da Revolta de Princesa e Cangaço
Imagem ilustrativa da Revolta de Princesa, Google
RAPAZ! Acho que meia dúzia de 6 clones desse tal João da Mancha, daria para fazer o “serviço” necessário que resolveria ligeiro a guerra na Ucrânia, daria um rabo de arraia no Netaniahu e limparia a Faixa de Gaza. Eu não tenho dúvida da “competência” de João da Mancha.☠️⚔️⚰️