Por João Costa

 

“Deus está nas coincidências”. Recorro, mais uma vez, a esta poderosa frase do pensador e dramaturgo Nelson Rodrigues para contar como foi minha jornada à Grota do Angico, em Poço Redondo(SE), num evento cultural transcendente para a compreensão da cultura nordestina chamado Cariri Cangaço – porque pode até não ter sido uma coincidência Divina, mas o evento me impressionou pelas abordagens históricas e também pelos clérigos que encontrei.

 

Darlan Tatoo(E) é grafiteiro e compositor; João Costa(D) é jornalista e diretor de teatro

 

Insisto nas “coincidências “ da vida porque o que aconteceu comigo, em Piranhas, foi um Déjá vu. Começo pelo começo, ou seja, pela 1ª coincidência, digamos assim, próxima ao Divino.

 

Cantata e a luta pela terra

 

Em 1979, portanto há 43 anos, eclodiu aqui na Paraíba um grande conflito de terras, em que camponeses exigiam a aplicação do Estatuto da Terra, que por sua vez obrigava ao estado desapropriar um latifúndio para efeito de reforma agrária. Em meio a esta luta, o arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires (um negro), pediu ao escritor e dramaturgo W.J. Solha, um bancário paulista que vivia – ainda vive – em João Pessoa, ateu convicto, que escrevesse uma peça para ajudar à Pastoral da Terra, que estava à frente da luta.

 

Capa do disco da Cantata Para Alagamar encenada para bispos brasileiros e estrangeiros

 

O escritor ateu pediu ajuda a um regente de nome Alberto Kaplan, um professor judeu, argentino e exilado no Brasil para fazer a música. E assim surgiu a “Cantata Pra Alagamar”, que virou disco, foi apresentada e traduzida para que bispos alemães, espanhóis e franceses entendessem a mensagem da “Cantata”, em que eu fui um dos três narradores – e que também integrava a ala dos “homens de pouca fé”, recrutados pelo arcebispo.

 

O arcebispo produziu a “Cantata”, e seguiu viagem com o elenco em apresentações na Paraíba, Juazeiro da Bahia (onde os bispos europeus assistiram a Cantata) e Recife. Uma trupe de cantores e atores liderados por um bispo católico, um ateu e um judeu – imaginem os senhores o clima e os papos nessa aventura.

 

Voltando ao Cariri Cangaço, em Piranhas; a 2ª coincidência quase que Divina.

 

Frei Tibério(E), estudioso do fenômeno cangaço, na trilha da Grota do Angico

 

Eu já havia me surpreendido com padre Agostinho, o capelão do evento e que fez a celebração do “sepultamento” das cinzas do escritor Antônio Amaury nas águas do rio São Francisco. Em seguida começou a caminhada pela trilha que vai do barranco do Velho Chico até a Grota.

 

Tenho 69 anos, era um sonho que eu estava realizando, porém as condições físicas e de saúde, não são tão boas para uma jornada assim, e apenas se acontecesse um milagre minha jornada seria exitosa – e o milagre aconteceu!

 

Ninguém ficou para trás

 

A jornada até Angico começou e eu fui ficando para trás, cada vez mais para trás.

 

Eu seguida comecei a ouvir vozes que se distanciavam; minha mulher ao lado me “obrigando” a beber água, comer barras de chocolate sem açúcar, comer banana ( fonte de potássio) e chupar tangerinas para repor o nível de açúcar no sangue; foi quando dois anjos surgiram na minha frente oferecendo ajuda.

 

Visitar o local onde Lampião e Maria Déa foram mortos tornou-se uma celebração

 

O 1º anjo que surgiu, foi Darlan Tatoo, um jovem estudioso do cangaço, artista plástico, compositor, grafiteiro, tatuador, agente cultural, “cangaceiro”, e que mora em Senhor do Bomfim(BA).

 

Ali, em Angico, me apareceu esse jovem com o corpo tatuado e piercing no nariz que falou assim:

 

– Se apoie no meu braço e vamos seguir. Foi o que aconteceu, e logo a seguir apareceu o 2º anjo, que me abordou e disse:

– Ponha uma mão no meu ombro pra subir esse barranco aqui.

 

Era o senhor Tibério Dias, um religioso franciscano, capuchinho da Província do Nordeste do Brasil; evidentemente, logo passei a chama-lo de Frei Tibério. Até onde fiquei sabendo, ele ainda é diácono; sua ordenação como frade capuchinho ocorrerá ainda este ano.

 
 

E assim, um anjo-cangaceiro tatuado e com piercing no nariz e um frade-cangaceiro me ajudaram a entrar e sair da Grota de Angico.

 

Frei Tibério, que atualmente mora no santuário e Vila São Francisco, no município de Quebrangulo, zona da mata Alagoana, me disse que fazer a rota do cangaço até a Grota foi uma “celebração”.

 

Concordei.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *