A historiografia da Paraíba guarda segredos políticos e embates sangrentos ao longo do século XX à espera de estudos aprofundados em torno de concatenamentos de episódios que sacudiram o estado no início do século passado; é o caso de Patos de Irerê, distrito de São José de Princesa. distante 431,8 Km de João Pessoa. A seguir, o blog publica artigo de José Tavares de Araújo, pesquisador e historiador paraibano, que traz à luz o protagonismo desse lugar e de sua gente.
O POVOADO PATOS DE PRINCESA E O CANGAÇO
O povoado Patos, que originalmente pertencia ao município de Princesa/PB e hoje, denominado Patos do Irerê, é parte integrante do município de São José de Princesa-/PB, floresceu a reboque do progresso da fazenda do mesmo nome, propriedade do abastado fazendeiro Florentino Rodrigues Diniz.
Casarão do Major Floro Diniz à espera de preservação histórica
No início do século passado, o faro empreendedor do Major Floro Diniz, como ele era mais conhecido, percebeu que poderia produzir em sua própria fazenda e abastecer cidades e povoações circunvizinhas. Seu olhar clínico anteviu a necessidade de agregar valores ao que a terra oferecia com abundância naquele diferenciado microclima do planalto da Borborema, que representava um oásis localizado em pleno coração do desértico semiárido.
O resultado foi tão surpreendente que em pouco tempo a sua fazenda se transformou em um verdadeiro parque agroindustrial, onde se produzia rapadura, cachaça, farinha, queijo, vinagre, vinho e havia até uma usina de descaroçamento de algodão.
Fazenda com energia elétrica no início do século XX
A fazenda Patos foi a primeira localidade do interior da Paraíba a dispor de energia elétrica.
Além da Fazenda Patos, outras propriedades circunvizinhas localizada à sombra da Serra do Pau Ferrada, forneciam produtos para ser manufaturados pela indústria, a exemplos dos sítios Serra do Pau Ferrado, Saco dos Caçulas, Sozinho, Cajueiro, Cajazeiras, Tataíra, Bandeira, Caldeira, Piancozinho, Almas e Pedra, esta última pertencente ao coronel Laurindo Florentino Diniz, irmão do major Floro, que era chefe político de Triunfo.
O major Floro Diniz era filho de Joaquim José Diniz e de dona Luísa Florentino Diniz, assim como os seus irmãos Laurindo, Marçal, Manoel, Joana e Luiza. Marçal e Manoel eram proprietários da fazenda Abóboras, no município de Vila Bela/PE; Joana era casada com Manoel Andrelino Pereira da Silva (Né da Caiçara), filho de Andrelino Pereira da Silva (Barão do Pajeú).
Esta ligação familiar existente entre os irmãos Florentinos Diniz e a família Pereira, que se encontrava em luta armada contra a família Carvalho no vizinho Estado de Pernambuco, fez com que as suas propriedades, Abóboras e principalmente as localizadas no território Paraíba, servissem de homizio seguro para os Pereiras durante o período entre 1907 a 1924.
Coito seguro de grandes bandos de cangaceiros
O primeiro chefe de bando a frequentar essas propriedades com uma certa assiduidade foi Né Dadu, também conhecido por Ne Pereira, sucedido pelo irmão e primo Sinhô Pereira e Luiz Padre, e depois Lampião.
Na fase lampiônica, as correrias do cangaço de enriquecimento passaram a preponderar sobre o cangaço de vingança, que teve seu apogeu na época em que Sinhô Pereira e Luiz Padre combatiam a família Carvalho.
Em 14 de julho de 1918, um filho de Marçal Diniz contraiu matrimônio com uma filha major Floro. O casal, Marcolino Pereira Diniz e Alexandrina Florentina, estabeleceu domicílio no povoado de Patos, que a partir de então passa a ser o mais significativo reduto de cangaceiros, desbancando assim a afamada fazenda Abóboras. Em 1919, Marcolino Diniz era apontado pelas autoridades como um dos maiores fornecedores de armas e munições ao bando Sinhô Pereira e Luiz Padre.
A partir de 1922, face à intensa perseguição das forças policiais paraibanas e cearense por contas de assaltos praticados contra poderosos fazendeiros na região de Catolé do Rocha/PB, o major José Inácio e Sinhô Pereira, as duas mais destacadas expressões do banditismo, deixam Milagres/CE com destino a São João do Duro, no Estado de Goiás, onde já se encontrava Luiz Padre desde 1920.
Bando de Lampião, em 1922, Fazenda Pedra(abaixo)
Casa na Fazenda Pedra, onde Lampião se deixou fotografar, em 1922
O bando remanescente, agora sob o comando de Lampião, vai se homiziar em terras dos poderosos Florentino Diniz, onde vivia seu genro Marcolino Diniz, com o qual o novo chefe já tinha afinidade desde a época em que integrava o bando de Sinhô Pereira.
Quando Lampião e chegou à região já encontrou velhos conhecidos que também contavam com uma extensa lista de serviços prestados ao mundo do crime. Dentre estes, destacavam-se Luiz Leão, Sabino das Abóboras, Moreno, Ronco Grosso, Clementino Quelé e irmãos, Moreno, Vicente de Marina, Luiz do Triângulo e seus primos e agregados Chiquito, Quintino, Chocho, Vicente de Marina e Moreno.
Coronel Zé Pereira em fúria após ataque a Sousa
Lampião e seus séquitos permaneceram por quase dois anos realizando suas incursões criminosas nas regiões adjacentes, mas, por razões obvias, poupando a Paraíba. “Lampião fazia as safadezas em Pernambuco e corria para a Paraíba”. Foi justamente pela quebra deste paradigma que Lampião caiu em desgraça. Em 27 de julho de 1924, seu bando tomou de assalto a cidade de Sousa, despertando a fúria do coronel José Pereira.
Cel. Zé Pereira surge como inimigo de cangaceiros
O todo poderoso de Princesa, que até então tinha se fingido de morto, decidiu pôr fim a má fama do espólio político que havia herdado do seu pai, agora transformado em notório bunker dos mais afamados bandoleiros nordestinos. Em agosto daquele mesmo ano, o coronel José Pereira resolve se voluntariar o comando da luta contra o banditismo no interior do Estado, no que foi aceito pelo então governador Solon de Lucena, que o nomeou Comandante de Geral da Forças Volantes da Paraíba.
Luiz do Triângulo: de cangaceiro a chefe de volante
Para pôr em prática seu ambicioso programa, o chefe político de Princesa contou com a adesão de alguns importantes e experientes bandoleiros, das a exemplo de Clementino Quelé e Luiz do Triangulo, que foram integrados às forças volantes paraibanas, contratados como segundos- sargentos comissionados.
O êxito da empreitada contra os bandoleiros que viviam em constantes correrias nas regiões limítrofes compreendida pelos municípios de Princesa, Conceição, Triunfo, Vila Bela e Flores, contou com a colaboração decisiva do experiente major Teófanes Torres, Comandante de Geral da Forças Volantes do vizinho Estado de Pernambuco. A parceria firmada entre os dois comandantes não permitiu um só minuto de trégua aos contumazes perturbadores da segurança pública.
A luta contra os bandoleiros perdurou por aproximadamente dois anos, quando Lampião foi enxotados definitivamente, indo com seu bando buscar refúgios mais acolhedores nos rincões do Riacho do Navio e da baixada do Araripe, localizada no cariri cearense.
José Tavares de Araújo Neto (Conselheiro do Grupo de Estudo Cariri Cangaço)