Baseado em fatos reais, o texto teatral “Xandu”, escrito pelo teatrólogo João Costa, recebeu adaptação para roteiro de um curta cinematográfico, feita pelo cineasta Omar Brito. O blog publica a seguir esboço do roteiro, que está em fase de construção.

 

Casarão em Patos de Irerê, local dos acontecimentos violentos ocorridos durante a revolta de Princesa

 
 

XANDU

“QUELÉ E XANDU”

 
 
 
 

Um roteiro

 

de

 

João Costa e Omar Brito

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Copyright 2021 by João Costa e Omar Brito

 

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“QUELÉ E XANDU”

 
 

Personagens:

Clementino Quelé (ex-cangaceiro, no filme já surge como chefe de volante)

Xanduzinha – (Alexandrina Diniz também conhecida como Dona Xandu, ou Xanduzinha; senhora do casarão capturada e mantida como refém por Quelé.)

 
 
 

C E N A S X X

 

TELA PRETA COM LEGENDAS BRANCAS SUBINDO (STAR TREK)

 

VO – No dia 28 de fevereiro de 1930, uma cidade paraibana, Princesa, declarava independência e passaria a ter hino, bandeira e leis próprias.

O líder da revolta, o “coronel” Zé Pereira, chefe político no sertão paraibano, rompeu com João Pessoa, presidente do Estado, por conta de disputas internas no partido.

No comando de mais de 2.500 homens em armas: jagunços, cangaceiros, ex-cangaceiros e populares, Zé Pereira entrou em confronto com a Polícia Militar do Estado da Paraiba, que à época, dispunha de um efetivo não superior a 600 soldados.

Mas em 23 de março daquele ano, no fervor da Revolta de Princesa, uma tropa da Polícia Militar, tendo à frente o ten. Raimundo Nonato e o sargento Clementino Quelé, recebeu ordens superiores para tomar a cidade de Princesa, em poder dos revoltosos.

O sargento Clementino Quelé apresenta como plano de ataque a Princesa usar mulheres da região como reféns e escudos humanos para impedir que os revoltosos disparassem contra a força policial.

O plano foi posto em prática. Alexandrina Diniz, esposa do coronel Marcolino Diniz, e mais duas mulheres foram raptadas e usadas como reféns.

 
 
 

C E N A S X X

 

EXT – NOITE

APÓS O FIM DAS LEGENDAS, COMEÇA O SOM DE CHUVA TORRENCIAL, TIROS E GRITOS. CÂMERA SUBJETIVA NERVOSA. FIGURAS CORREM NO ESCURO.

 

VO1 – Quelé, seu desgraçado, tu vai morrer hoje!

VO2 – Morra Tamanduá dos infernos!

 
 
 

C E N A S X X

 

EXT – DIA

PAISAGENS E RUÍNAS. DONA XANDU (IDOSA) PASSEIA POR LOCAIS HISTÓRICOS E NARRA OS ACONTECIMENTOS DE SEU SEQUESTRO POR QUELÉ.

 

DONA XANDU

Era um domingo estranho. Soprava um vento friorento. Eu sabia que vinha chuva. Marcolino estava com o coronel Zé Pereira. Lembro bem que era o dia de bater queijo de manteiga. Meu marido adorava. João de Lucinha entrou no celeiro. Ele parecia estranho. Branco demais. “Viu assombração, cabra?” Perguntei, sorrindo. Logo meu semblante tornou-se sério. Por trás de João apareceram Clementino Quelé e outros jagunços. Ele disse pra todo mundo ficar calmo. Ele não queria ferir ninguém mas não hesitaria em sangrar quem se metesse a valentão. Muito transtornada, perguntei o que ele queria. Ele se aproximou e disse: “A senhora vem comigo”.

 
 

C E N A S X X

 

INT – CASARÃO CERCADO (SALA/MESA)- NOITE

QUELÉ E XANDU ESTÃO FRENTE A FRENTE SENTADOS À MESA, CLOSE.

 

Quelé – Agora, senhora dona Xandu, esteja preparada e me ajude, não se se vergonhe e me ajude para que eu possa também lhe ajudar… Vamos furar este cerco de um jeito ou de outro (pausa longa), vou levar a senhora como garantia e espero que seu marido, que está lá fora, tenha juízo, abaixe as armas e arrede.

Dona Xandu – (altiva, mas sem afetação) Nunca! Se alguém vai morrer hoje aqui, essa pessoa é você!

Clementino Quelé – É a vontade de Deus! (com calma e tom melífluo) Dona Xanduzinha, Dona Xanduzinha, a senhora morre primeiro, vai na frente.

D. Xandu (voz contida, mas pujante) – Posso até morrer, porque Marcolino Diniz, meu esposo, não dará o braço a torcer e se rebaixar diante de você. (ressentida) Você Clementino, é um miserável traidor que cospe no prato que comeu.

C. Quelé (com ironia) – Seu marido Marcolino Diniz vai precisar beber mais do que já bebe, todo o conhaque e aguardente de Patos do Irerê para criar coragem (gesto indicando a entrada) a porta da frente é a serventia da casa. Se passar, qualquer coisa que passar por esta porta, que ande ou rasteje, morre!

 
 
 

C E N A S X X

 

INT. CASA CERCADA (SALA) – NOITE

QUELE, EM UM RECANTO DA SALA, FAZ UM INVENTÁRIO DAS ARMAS QUE POSSUEM. FALA PARA OS POUCOS QUE AINDA ESTÃO VIVOS.

 

Quelé – O que temos aqui? Granadas que não explodem, munição escassa que falha, mas também homens de honra e muita coragem, e aqueles com muita fé em Deus e Nossa Senhora, encomendem suas almas, porque hoje, ainda nesta noite, vamos ver Deus pessoalmente ou veremos Deus por quem é. (tom mais ameaçador) E tem mais uma coisa: temos mulheres dentro desta casa. Ninguém toca nelas! Nem num fio de cabelo!

 
 
 

C E N A S X X

 

EXT. CASARÃO- DIA

QUELÉ TEM UMA RIFLE APONTADO DONA XANDU

 

D. Xandu (altiva) – Nós lhe demos guarida, proteção, quando você aqui chegou escorraçado pela polícia de Pernambuco e açoitado pelo capitão Virgulino Lampião. O que você está fazendo com o povo de Patos de Irerê; do Saco dos Caçulas e de Princesa não vai dar certo; o que está fazendo comigo não é certo, não é justo.

C. Quelé – O que é justo, D, Xandu? (Xandu silencia) Eu fiz uma pergunta, o que é justo, dona Xanduzinha? Me diz?

D. Xandu – Você é um dos nossos, aqui do Sertão. Como pode ficar do lado de gente da capital que você nem conhece?

 

TROVÃO VIOLENTO

 

C. Quelé – Vixe que o céu vai desabar. Passe pra dentro.

 
 
 

C E N A S X X

 

INT. CASA CERCADA (SALA) – NOITE

Quelé – Cabroeira, vou falar e não vou repetir. Mandei um bilhete ao delegado de Piancó para que ele informe ao tenente Higino comunicando o que está acontecendo aqui (pausa). (tom ameaçador) Homens! Lá fora os revoltosos são mais de cem. Quem tentar entrar por essa porta, morre. Quem afrouxar, se render ou tentar escapulir por esta porta, morre!

 

QUELÉ DEIXA OS SOLDADOS E SE ENCAMINHA À MESA, ONDE SENTA DEFRONTE À DONA XANDU

 
 

Casa onde morou Alexandrina Diniz e Marcolino Diniz; também foi coito de Lampião, antes da revolta

 

C E N A S X X

INT. CASA CERCADA (SALA/MESA) – NOITE

 

C. Quelé – Esses homens que a senhora vê, alguns já estão mortos do lado de fora, muitos feridos, todos famintos e quem está de pé quer viver. Essa é minha gente agora, vivendo da espingarda.

D. Xandu – E o que eu tenho com isso? Lhe fiz algum mal? (Clementino silencia) Eu quero viver. Mas se vai me matar, estou pronta para enfrentar tudo; eu não tenho medo de você. (pausa) Você vai me maltratar?

C. Quelé – De jeito nenhum.

D. Xandu – E porque me prende aqui? Você nos odeia, não é?

C. Quelé – (bem próximo a Xandu quase falando ao ouvido) Não odeio ninguém; isso, de odiar, embota a mente. Apenas mato meus inimigos, dona Xandu. E o coronel Zé Pereira e o Marcolino seu marido, querem me ver morto. Minha lealdade é apenas para com esses homens aqui dentro de sua casa. E só.

D. Xandu – Conversa. Você não passa de um reles traidor, sargento Quelé, traidor é o que você é e sempre foi… (pausa longa) Um “Tamanduá Vermelho” e Bandido!

C. Quelé (tom de ameaça) – Cala essa boca, mulher! (baixando a voz) Com todo o respeito que tenho pela senhora, quem é bandido aqui? Me diz? Aqui não tem ninguém santo, dona! Esqueceu que seu marido e o coronel roubaram 80 contos de Lampião? Ele sim – é ladrão. (com ironia) Oitenta contos de réis, dinheiro do apurado do assalto a Sousa; uma fortuna sem disparar um tiro, só deitado na rede, aqui neste Casarão. (com ironia) Mas seu marido Marcolino é coronel, o Zé Pereira, que ficou com esse dinheiro, também é coronel poderoso em toda a Paraíba, faz até guerra contra o governo! Homens de bem, né isso? Quem é bandido aqui dona Xanduzinha, me diz?

D. Xandu (mostra indignação) – Usar mulher como escudo humano, é desaforo sem tamanho. Coisa de covarde! “Tamanduá Vermelho”.

C. Quelé (ríspido) – Meça as palavras dona! (muda tom de voz) Porque não vai fazer um café?

D. Xandu (sem controle e em tom de xingamento) – Tamanduá, Tamanduá, mil vezes Tamanduá e Vermelho!

C. Quelé (num rompante, agarra Xandu) – Pois é… Sou Tamanduá; com minha língua devoro cupins e formiguinhas como você. (nos braços de Clementino, Xandu tenta se desvencilhar, mas esmorece, cede) Veja os homens aqui dentro desse casarão. Estão famintos, esperando a hora de matar ou morrer.

D. Xandu – (sussurrando) Que morram!

C. Quelé – Não ouvi direito, repete! Repete! (Clementino lentamente a solta) Tenha modos é vá fazer um café, forte, pra todo mundo. Ah! A senhorinha é dona deste casarão não sabe nem fazer café? É da fina-flor de Pernambuco, eu sei.

D. Xandu (altiva) – Com muita honra, gente de bem.

C. Quelé (tom de deboche) – Eu sei, eu sei… Não sabe nem fazer café. Bonita, branca, e casada com primo, nem parir pode.

 
 
 
 

C E N A S X X

 

INT. CASA CERCADA (COZINHA) – NOITE

DONA XANDU PÕE ÁGUA NO FOGO PRA FAZER CAFÉ. ELA REAVIVA AS BRASAS E BOTA MAIS LENHA.

 

D. Xandu – Engano seu, sargento Quelé. Eu tenho uma filha. fulana é minha filha.

C. Quelé (cortando) – Adotiva. Adotiva! É casada com primo, não pode ter filhos (pausa), é perigoso, não é? Eu sei. Ah! Os casamentos arranjados no sertão do Pajeú. Casou por interesse (pausa irônica), eu sei. Foi negócio, eu sei. Até onde eu sei você iria casar com outro, um filho de coronel que virou médico, que até cuidou do ferimento no pé de Lampião. Aí casou-se com esse seu primo Marcolino, que não deu pra nada na capital, nada (ironia) Eu sei, eu sei… Ah! Marcolino trapaceiro. Esse médico que gostava da senhora era amigo dele, de confiança, tanto que o inocente confiou a Marcolino o bilhete lhe pedindo em casamento. E Marcolino traiu o próprio amigo, violou a carta de pedido de casamento aos seus pais, e se ofereceu e você aceitou (mais ironia) eu sei, eu sei…

D. Xandu – (raiva contida) Eu sei, eu sei, (sussurra) coisa mais irritante; eu que sei! Sei que não é da sua conta.

C. Quelé – Seu casamento com Marcolino foi aqui não foi? Seu pai foi quem deu essa casa pro Marcolino, não foi? Casamento bonito, Lampião e seus irmãos, Antônio Ferreira e Livino como convidados de honra, eu sei, eu sei.

D. Xandu – Por favor, pare! O que você sabe sobre amor, casamento, mulher, família?

C. Quelé (em tom de lamento) – Eu já tive família dona. Mulher, irmãos, filhos. Todos ficaram no passado, uns mortos por doença, outros por bala de fuzil. Esta é a sina para quem nasceu no Pajeú: escapar da fome, das doenças e viver da espingarda, como eu. Eu já tive família, Dona Xandu.

D. Xandu (confidente, imita a Clementino) – Eu sei, eu sei. Lampião matou quase todos da sua família, e de uma empreitada só; sei disso.

C. Quelé (tom afirmativo) – Já me queixei muito, hoje não me queixo mais. (cantarolando) “Quilimintino Quelé/Está zangado e com razão/No fogo de Santa Cruz/ perdeu ele dois irmãos.” Já ouviu isso? Desde 1925 até hoje, poetas e cantadores nas feiras do Pajeú não se cansam de cantar e o povo ouvir admirado. “Lampião diz que é valente/ É mentira, é corredor/ Está andando de muleta/ Seu Quelé foi quem botou”. (rindo de forma sarcástica) – Aquele cego, ficou de muleta um bom tempo, aleijado de um pé, seu Quelé foi quem botou, ouviu? (puxando da cintura enorme punhal) E depois sangrou Cícero Costa e Lavandeira na frente de Antônio Ferreira, ouviu? Que escondido numa moita cagou-se até o amanhecer. (explosões, tiros). – Danou-se que o mundo vai desabar! – Dona Xandu, dona Xanduzinha, tem homens já mortos lá no seu quarto. É lá que a senhora vai ficar. Trancada.

Dona Xandu (assustada) – Presa? Não faça isso, é o mesmo que me deixar para morrer.

C. Quelé – É para o seu bem..

D. Xandu – Mas estão atirando, melhor ficar aqui, não posso morrer trancada num quarto, feito uma inútil, seus homens vão me matar!

C. Quelé – É seu marido quem está atirando em nós. Acho que ele quer que a senhora morra também.

D. Xandu – Nunca que ele faria isso, me matar.

C. Quelé – Santa inocência; Dona Xandu, a essa altura ele tá pensando que abusei da senhora, que a senhora agora é Impura. Até pra dizer que foi por questão de honra, ele mata também a senhora! E põe a culpa em mim. Eu sei, eu sei…

Voz de Marcolino ecoa – Matem todos! Quem estiver dentro da casa é pra matar! E quem sobreviver é pra sangrar, um por um!

C. Quelé – Não falei? (tiroteio intenso, som de chuva forte) Merda de munição! Para o quarto, já mandei!

 

QUELÉ JOGA DONA XANDU NUM QUARTO, ACENDE UMA BANANA DE DINAMITE, JOGA NO QUARTO E TRANCA A PORTA.

 

C E N A S X X

 

INT – NOITE

UM PAVIO VAI QUEIMANDO ENQUANTO DONA XANDU NARRA A HISTÓRIA.

FADE OFF

 

D. Xandu – O combate se encarniçava e as Forças da Polícia iam perdendo terreno não conseguindo vantagem alguma por estarem com a munição completamente estragada. Eles faziam pontaria, davam ao gatilho e o tiro não saía. Foi então que, vendo a partida perdida, os soldados sendo dizimados, o tenente Raimundo Nonato deliberou abandonar as posições, o que fez depois de lançar bombas de dinamite. O último a sair foi Clementino, que me deixou trancada e carregou a chave, tendo antes lançado uma bomba acesa no compartimento em que eu estava, com o intuito evidente de matar-me.

 
 
 
 

C E N A S X X

 

EXT – DIA

PAISAGENS E RUÍNAS. DONA XANDU (IDOSA) PASSEIA POR LOCAIS HISTÓRICOS. ENQUANTO TOCA A MÚSICA.

 

FADE OFF

 
 

C E N A S X X

 

TELA PRETA COM LEGENDAS BRANCAS SUBINDO (STAR TREK)

(Clementino quelé encerrou sua vida como delegado na cidade de prata, no cariri paraibano, onde viveu até 19xx)

 
 

CRÉDITOS

 

F I M

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