José Tavares de Araújo Neto
Na década de 1920, o sertão paraibano era palco de intensas disputas entre oligarquias locais, marcadas por rivalidades familiares, alianças frágeis e violência. Em Catolé do Rocha, o governador João Suassuna consolidava seu poder nomeando aliados, como seu irmão Antônio Suassuna (prefeito) e Hermínio Hermenegildo Maia de Vasconcelos (subprefeito), filho do influente Francisco Hermenegildo Maia de Vasconcelos (coronel Maia).
Já em Brejo do Cruz, a estratégia foi diferente, mas não menos calculista. O comando da prefeitura foi entregue a Severino Dutra de Morais, com José Targino da Cruz como subprefeito. A oposição era liderada por João Agripino Maia de Vasconcelos, primo do coronel Maia. Dr. João Agripino, outrora aliado dos Suassunas, rompera com o grupo anos antes, unindo-se aos adversários históricos do governador — os clãs Saldanha e Lobos.
No centro da trama estava João Minervino Dutra de Almeida (Joca), juiz de Catolé do Rocha em licença e líder da oligarquia dos “Macacos” (família Dutra de Almeida). Dr. Joca Dutra mantinha lealdade aos Suassunas e resistia às pressões de Agripino, tornando-se alvo de uma rivalidade que misturava política e questões pessoais. Sua residência em Brejo do Cruz era ponto de encontro de correligionários, onde discussões sobre o futuro do município ocorriam em reuniões informais.
José Tavares, pesquisador e historiador
Era noite de 25 de abril de 1926. Brejo do Cruz estava envolto em uma calmaria aparente, apenas quebrada pelo vento morno que trazia o aroma da caatinga. Sob um céu estrelado, um conjunto de amigos se reunia na calçada da residência do Dr. Joca Dutra, conversando descontraidamente. Entre os presentes estavam personalidades ilustres da cidade, como o Dr. Augusto Rezende, Juiz Municipal e genro do coronel Adolfo Maia, Severino Maia, filho do coronel e cunhado do Juiz, além de Manuel Paulino de Moraes, comerciante e primo do Dr. Joca Dutra.
Completavam o grupo Severino Elias do Amaral, telegrafista, e José Diniz, escrivão. Poucos minutos antes, o subprefeito José Targino da Cruz e Antônio Dutra de Almeida haviam se despedido da reunião para atender a outro compromisso. A cena tranquila, porém, logo seria interrompida por um dos episódios mais sombrios da história da região.
Foi então que, exatamente às 19:00 horas, uma quadrilha de seis cangaceiros, liderados pelo temível Massilon Leite, desferiu um ataque surpreendente contra os presentes. Essa noite marcante em Brejo do Cruz ficaria gravada na história local como um evento trágico e inesperado.
Exatamente às 19:00 horas, sob o comando do temível cangaceiro Massilon Leite, um bando composto por seis homens forte armados desferiu um ataque violento e surpreendente contra os presentes.
O Dr. Joca Dutra e Severino do Amaral foram feridos, enquanto o Dr. Rezende e Manuel Paulino Dutra morreram no local.
Os agressores cortaram os fios telegráficos da cidade, isolando-a para evitar comunicação externa. Joca só conseguiu enviar um telegrama no dia seguinte, descrevendo o ocorrido ao governador João Suassuna.
Ontem, às 19 horas, ao luar claro, um grupo de seis bandidos armados a rifle atacou inopinadamente a minha residência, na ocasião em que eu, doutor Rezende, Severino Maia, filho do cel. Adolpho Maia, meu primo Manuel Paulino Dutra, o escrivão José Diniz e o telegrafista Amaral, nos achávamos palestrando em minha calçada, todos desarmados. Aos primeiros tiros, todos desfechados quais a queima roupa contra mim, fui levemente ferido na região dorsal, bem como o telegrafista Amaral, tombando mortos na calçada os infelizes doutor Rezende e Manuel Paulino. (A União (PB), 28 de abril de 1926).
O Ministério Publico atribuiu o atentado a um grupo de cangaceiros liderados por Massilon Leite, integrado por José Pedro (Coqueiro), Peitada, João Domingos e João Cândido (Negro Cândido). Porém, as acusações não se limitaram aos executores materiais: o promotor Emílio Pires Ferreira denunciou que o crime fora orquestrado por figuras influentes da política local — João Agripino, Joaquim Saldanha, Odilon Benício Maia e Plínio Dantas Saldanha (Marinheiro Saldanha) —, em um esquema que misturava poder, vingança e estratégias oligárquicas.
A denúncia foi sustentada por quatro pilares principais. Primeiro, a existência de reuniões prévias na Fazenda Malhada da Areia, onde os supostos mandantes teriam planejado o ataque sob o pretexto de discutir a compra de uma propriedade. Esses encontros, segundo testemunhas, serviram para articular a execução do crime. Segundo, a proteção oferecida aos executores: Massilon Leite e outros cangaceiros estavam homiziados em terras de Benedito Saldanha (irmão de Joaquim Saldanha) no Ceará, evidenciando uma rede de apoio logístico. Terceiro, as ameaças públicas proferidas por Agripino e Saldanha contra Joca Dutra, amplamente divulgadas e interpretadas como declarações de guerra política.
Por fim, indícios circunstanciais, como o corte dos fios telegráficos — que isolou Brejo do Cruz durante o ataque — e rastros encontrados no sítio de João Agripino, sugerindo o uso do local como ponto de apoio pelos agressores.
A motivação central, segundo a acusação, era política. João Agripino, ex-aliado dos Suassunas, via em Joca Dutra um obstáculo ao seu controle sobre Brejo do Cruz. A influência de Joca, aliada à sua lealdade ao governador João Suassuna, ameaçava o projeto de poder de Agripino e seus aliados Saldanha.
O processo foi marcado por uma série de controvérsias e questionamentos. A defesa dos acusados, liderada pelo experiente advogado Dr. João da Matta Correia Lima, sócio do advogado João Duarte Dantas, primo em primeiro grau dos Saldanhas, argumentou que o processo era uma perseguição política instrumentalizada para eliminar adversários de Joca e dos Suassunas.
Entre os principais argumentos apresentados pela defesa, destacam-se a falta de provas materiais, a questionabilidade das testemunhas e a falta de comprovação das ameaças atribuídas a Agripino. Além disso, a confissão de Massilon Leite, que assumiu a autoria do crime sem mencionar mandantes, foi corroborada por depoimentos de Jararaca, integrante do bando de Lampião, preso em Mossoró.
A defesa também apontou a existência de vícios processuais, incluindo a parcialidade do juiz da instrução e a base da sentença em presunções, e não em fatos. Diante desses argumentos, a defesa sustentou que o processo era uma tentativa de eliminar adversários políticos, e não uma busca pela justiça.
Diante da impossibilidade legal de dividir os autos, o promotor solicitou à Assembleia Legislativa que concedesse licença para incluir o deputado João Agripino de Vasconcelos Maia no processo. Houve grande mobilização e presença policial na Assembleia, evidenciando a repercussão do caso e as pressões políticas envolvidas.
O deputado Dr. Izidro Gomes, em seu parecer, negou a licença solicitada. No entanto, o parecer contrário do Generino Maciel foi posto à votação, e a maioria dos presentes votou pela concessão da licença. Retiraram-se também das bancadas os srs. Joaquim Pessoa e Silva Mariz (sogro do Deputado João Agripino), dizendo os motivos dessa atitude solidaria com a do sr. Isidro Gomes.
Achavam-se no recinto os Srs. Aureliano da Silveira, José Queiroga, Cyrillo de Sá, Antônio Botto, Matheus de Oliveira, Paula Cavalcanti, Gomes de Sá, Paula e Silva, Pedro Ulysses, Genésio Gambarra, Lino Fernandes, Generino Maciel, Antônio Guedes, Seraphico Nóbrega e Pedro Firmino, que votaram pela concessão da licença, e Irineu Joffily, que votou contra.
O caso foi julgado no Tribunal de Justiça em 10 de julho de 1928. O Desembargador Paulo Hypacio da Silva detalhou cada aspecto do processo durante sua relatoria. O advogado Dr. João da Matta Correia Lima destacou a ausência de testemunhas importantes no momento do crime.
Após a oração da defesa, o Desembargador Heráclito Cavalcanti levantou uma preliminar questionando a nomeação irregular do juiz para apurar o crime, mas não foi aceita. Em seguida, o Desembargador Hypacio votou pela despronúncia dos acusados principais e manteve a pronúncia de Massilon Leite, Peitada, Coqueiro e João Domingos.
Todos os desembargadores acompanharam seu voto, encerrando o caso com unanimidade na despronúncia dos acusados por falta de provas robustas.
José Tavares é historiador do cangaço.