Por José Tavares de Araújo Neto

A Emboscada de Água Branca, ocorrida na manhã de 3 de junho de 1930, no Sítio Dona Joana, trecho da estrada entre Água Branca e Barra (atual Juru), foi o episódio mais trágico sofrido pela Polícia Militar da Paraíba durante a Revolta de Princesa, resultando no maior massacre da corporação em toda a sua história.

Cerca de cem militares perderam a vida em circunstâncias marcadas por improviso, erro estratégico e profundo desconhecimento do território sertanejo. A expedição governista, organizada de forma apressada, avançou em caminhões enfileirados, sem proteção adequada, atravessando uma região já dominada pelas forças rebeldes.

O desfecho foi brutal. Cercada em um corredor natural, a tropa foi dizimada, seus corpos abandonados à própria sorte, muitos enterrados em valas rasas, sem nome, sem lápide e sem o amparo simbólico que a memória exige.

Esse episódio não pertence apenas ao passado militar da Paraíba. Ele diz respeito à história do Estado, à memória da Polícia Militar e à forma como o poder público honra, ou abandona, os seus mortos.

Como resposta imediata à tragédia e às lutas da Revolta de Princesa, o Governo do Estado da Paraíba ergueu, em 1931, no Cemitério Senhor da Boa Sentença, em João Pessoa, um monumento em homenagem aos soldados mortos.

A construção integrou as solenidades realizadas por ocasião do primeiro ano do assassinato do presidente João Pessoa, associando o sacrifício dos combatentes à memória cívica do chefe de Estado.

Implantado por trás da pequena igreja do cemitério, o monumento apresenta estrutura sextavada em alvenaria, composta por duas bases sobrepostas e encimada por uma cruz de aproximadamente quatro metros de altura, alcançando cerca de seis metros de elevação.

Trata-se de uma obra imponente, concebida para eternizar, em forma material, os valores de sacrifício, honra e dever.

Contudo, o que foi criado como símbolo oficial de reconhecimento transformou-se, com o passar do tempo, em símbolo de abandono. O monumento encontra-se hoje sem manutenção, sem sinalização e sem qualquer cerimônia institucional.

Esse esquecimento configura uma grave agressão à memória histórica da Polícia Militar e do próprio Estado da Paraíba, que ali reconheceu formalmente uma de suas maiores tragédias.

Enquanto o monumento da capital foi sendo silenciado pelo descaso, a memória da emboscada permaneceu viva no próprio local do episódio, conhecido como Caminhões Queimados. Ali, os veículos incendiados marcaram definitivamente a paisagem e deram nome ao sítio histórico.

Antes mesmo de qualquer iniciativa do poder público, a própria população local ergueu uma pequena capela, transformando o antigo cenário de morte em espaço de oração, promessa e devoção. Foi a memória popular, e não o Estado, que primeiro cuidou de preservar o sentido humano e espiritual da tragédia.

Água Branca: monumento para militares emboscados

Décadas depois, o gesto comunitário encontrou respaldo institucional. Recentemente, a prefeita Marluce Veras, à frente do Município de Água Branca, deu um exemplo inequívoco de sensibilidade para com a memória histórica, ao articular parcerias e viabilizar a restauração do sítio e a construção do Monumento em Memória dos Caminhões Queimados, inaugurado em 23 de setembro de 2025, dentro da programação oficial da Emancipação Política de Água Branca.

A iniciativa devolveu dignidade e visibilidade a um espaço que jamais deveria ter sido esquecido e demonstrou que preservar a memória é uma escolha política, possível mesmo em municípios pequenos, quando há vontade administrativa e compromisso com a história.

Diante do abandono do monumento do Cemitério Senhor da Boa Sentença, impõe-se um chamado público e inadiável ao Governo do Estado da Paraíba e ao Comando da Polícia Militar.

Restaurar esse memorial não é apenas recuperar uma estrutura física, mas honrar oficialmente os mortos, reafirmar a memória institucional e cumprir um dever histórico do Estado para com seus soldados e com a sociedade paraibana.

Esse apelo estende-se também às entidades comprometidas com a preservação da história e da cultura do Estado, como o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, o Grupo Paraibano de Estudo do Cangaço, a Academia Princesense de Letras e Artes, além de universidades, academias e instituições afins, pois a defesa da memória é uma responsabilidade coletiva.

Se Água Branca, por meio da gestão da prefeita Marluce Veras, demonstrou que é possível restaurar seus lugares de memória com articulação, compromisso e respeito à história, não há justificativa para que a capital continue silenciando o seu principal monumento memorial da Revolta de Princesa.

Restaurar o monumento da Boa Sentença é restaurar a dignidade da memória pública, afirmar valores, educar gerações e declarar, de forma inequívoca, que a história da Paraíba não será condenada ao esquecimento.

Que as autoridades do Estado tomem esse gesto como exemplo.

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