Marcos Pequeno
Esse relato remete ao tempo em que era habitual as pessoas se comunicarem por intermédio de cartas.
Em sua última missiva, a minha tia Carleuza, católica praticante, viúva e com mais de sessenta anos de idade, comunicou-me, em tom solene e confidencial, que, após dez anos de viuvez, com os filhos já criados e todos morando longe, estava pensando na possibilidade de se casar novamente e, inclusive, fazer uma promessa para santo Antônio. Confidenciou-me também que um distinto senhor, bem-afeiçoado, rico e viúvo, da igreja dela, estava querendo se casar novamente, o que despertou o interesse de muitas solteiras e de algumas viúvas da paróquia dela. Detalhou-me que o referido viúvo já havia se insinuado para ela com olhares sutis e palavras gentis. Por fim, pediu a minha opinião a respeito.
Respondi à missiva, dando força e parabenizando-a pela ideia de se casar novamente (afinal, várias vezes, ela já havia falado que foi muito feliz em seu casamento e que não se acostumava com a solidão da viuvez).
Sugeri que ela fizesse, além de Santo Antônio, uma promessa para são Gonçalo, santo casamenteiro de pessoas com mais de quarenta anos (sabedor de que tia Carleuza, vaidosa que é, não gostava de revelar a idade, evitei utilizar a expressão: são Gonçalo, santo casamenteiro dos idosos.
Uma semana depois, recebi uma curta carta de tia Carleuza (as quais sempre tinham, no mínimo, 5 páginas), cujo teor revelava um desapontamento com a minha pessoa: “meu querido sobrinho, gosto muito, mas estou muito decepcionada com você. Eu sou uma pessoa temente a Deus, procuro sempre fazer o bem e agir com retidão. Fiquei muito triste com essa sua infeliz sugestão de eu fazer uma promessa para são Gonçalo. Ontem, na reunião paroquial das esposas e viúvas, falei que havia feito uma promessa para são Gonçalo. Fui motivo de risadas porque uma das senhoras presentes falou que são Gonçalo é o santo casamenteiro dos idosos e das PROSTITUTAS. Eu não tenho nada contra as mulheres de vida fácil, mas recorrer ao santo delas é demais. Estou arrasada, com labirintite e com a pressão alta. Eu já fiz a promessa e não sei se posso ou como desfazê-la. Você que me colocou nessa situação vexatória, agora me ajude a sair dela”.
Embora a minha posição seja agnóstica em relação à existência objetiva de santos e considere o fazer promessas um respeitável ato de fé, o qual, de imediato, tende a produzir um efeito positivo na autoestima de quem o pratica, pensei na melhor e mais adequada resposta que poderia enviar à minha estimada tia Carleuza. A primeira expressão, que me veio à cabeça, foi: me acuda, são Gonçalo!
O danado é que preciso de arrego e não tenho como enviar uma carta para o santo.
Marcos P. Pequeno é dramaturgo e professor universitário
Ilustração: Google