Uma coletânea de artigos sobre o cangaço, organizada pelo editor Adriano de Carvalho Duarte, ainda no forno da gráfica, reúne 40 articulistas que traçam um imenso e complexo painel para a compreensão desse fenômeno que abalou o Nordeste ao final do século IXX e início do século XX.

O trabalho editorial de Adriano Carvalho em sua primeira formatação chegou a 384 páginas, mas que sua edição final deve ultrapassar as 480; um mosaico que vai do resgate de acontecimentos à revisão histórica desses fatos e personagens.

Sítio Passagem das Pedras, Serra Talhada

Alguns historiadores torcem o nariz quando se depara com argumentos e pistas que levam à revisão histórica de fatos e vultos marcantes, mas a reinterpretação da História com base na ambiguidade das narrativas conhecidas e cristalizadas tem a capacidade de lançar luz sobre fatos obscuros e revelar perfis inusitados.

Sem que isso signifique assassinato de reputações.

É o que faz o pesquisador Luiz Ferraz Filho no seu artigo de sete páginas, “Genealogia de José Ferreira – primeiro coiteiro de Lampião”.

Feraz desloca José Ferreira do confortável papel coadjuvante de sertanejo simples, injustiçado, pacífico e perseguido para o centro do palco do cangaço no papel de primeiro coiteiro do próprio filho, quer seja pelo conivência ou tolerância patriarcal, ou mesmo pela vontade deliberada e associada.

Escreve Ferraz: “JOSÉ FERREIRA DA SILVA, pai do cangaceiro Lampião, transformou-se em ícone representativo do sertanejo simples, sem nobreza, pobre e trabalhador, e que, injustiçado e oprimido por seus vizinhos poderosos, vendeu suas terras por preços irrisórios para aventurar-se em outras paragens, longe do torrão natal, para evitar questões”.

Luiz Ferraz, pesquisador do cangaço

A partir dessa abordagem Luiz Ferraz nos apresenta um outro José Ferreira, move sua caneta na direção oposta ao consensual, carrega nas tintas na desconstrução de uma personagem aceita por todos como homem de paz, quase bíblico, que aceita casar-se com Maria Sulema desvirginada por poderoso chefe de clã em troca de alguns palmos de terra, o famoso Sítio Passagem das Pedras, local onde a família Ferreira ficou raízes

Luiz Ferraz lança luz sobre endogamia na família Ferreira, desmistifica a versão de que Antônio não seria filho de José Ferreira com Mara Sulema, aponta para as várias oportunidades que o patriarca desperdiçou para afastar os filhos do banditismo, além de dar pistas importantes sobre as conexões entre os Irmãos Ferreira e Sinhô Pereira.

O historiador arremata seu artigo revelador de forma conclusiva, à espera de argumentos que confrontem sua narrativa:

“Pela conjunção dos fatos, José Ferreira não foi um compassar, mas foi um consorciado no crime. E não foi apenas dos filhos, como previsivelmente possa ainda alguém querer defendê-lo, mas de diversos e célebres bandoleiros de alta periculosidade que viviam foragidos e homiziados, sempre frequentando a sua residência e usufruindo assim do seu conluio e proteção”.

Ferraz finaliza seu artigo de maneira engatilhada em torno de provável e necessário e acirrado debate para o fato de que José Ferreira teria sido o “principal cúmplice e primeiro coiteiro de Lampião”.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *