Clementino Quelé e a Execução de Zé Paulo, Primo de Lampião
José Tavares de Araújo Neto
No início de janeiro de 1926, após receber um telegrama do oficial pernambucano José Eduardo de Siqueira informando que Lampião voltara a transitar pelo município de Flores, o paraibano José Guedes, recém promovido a Tenente, não hesitou. Dirigiu-se à casa do coronel José Pereira para solicitar transporte e, logo em seguida, convocou o sargento Clementino Quelé, seu companheiro quase inseparável, para organizar a tropa. Poucas horas depois, os soldados paraibanos já marchavam rumo a Pernambuco, determinados a surpreender o bando de Lampião.
De Flores, os paraibanos seguiram para São João dos Leite, onde, após um intenso trabalho investigativo, a prenderam dois homens: José Amaro, o “Zé Garrancho”, ex-cangaceiro de Lampião, e José Paulo Lopes (Zé Paulo), primo legítimo de Virgulino Ferreira da Silva. A revelação do parentesco aumentou o interesse de Quelé, que via no prisioneiro um elo direto com o inimigo que mais odiava. Submetidos a severo interrogatório, os dois acabaram confessando que o bando estaria escondido na localidade de Roças Velhas, às margens da Serra Grande.
Antes mesmo do amanhecer de 12 de janeiro, os soldados puseram-se em marcha. À frente, Zé Paulo seguia amarrado, obrigado a indicar o caminho. A diligência, porém, resultou infrutífera. Os cangaceiros, provavelmente avisados, haviam se retirado antes da chegada da força. Persistente, Guedes conduziu seus homens à fazenda Barreiros, um dos refúgios habituais dos bandoleiros. Lá, ao sopé da serra, as tropas foram surpreendidas por uma emboscada devastadora. O anspeçada Manoel Teotônio tombou ferido e, diante do fogo cerrado, a tropa se desorganizou e recuou.
Tomado de raiva e frustração por mais uma vez não capturar Lampião, o sargento Clementino Quelé deixou-se dominar pela fúria. Voltou-se contra o prisioneiro José Paulo, o primo do inimigo, e, como quem dá uma vida pela outra, decidiu consumar sua vingança pessoal. Mandou amarrar-lhe as mãos e, sem julgamento ou resistência, executou-o com um tiro à queima-roupa. O corpo de Zé Paulo, homem pacato e trabalhador, tombou à beira da estrada, abandonado no chão seco do sertão.
A versão oficial, divulgada pela imprensa pernambucana, apresentaria outra narrativa. Afirmava-se que o primo de Lampião fora morto em combate, durante o tiroteio em Barreiros. Mas os sertanejos sabiam o que de fato ocorrera — não fora um confronto, e sim uma execução.
Poucos dias depois, Lampião soube da morte do primo. Ao ouvir a notícia, lágrimas lhe desceram pelo rosto. Disse, com voz embargada, que podia ser bandido, mas Zé Paulo não era — era um homem bom, trabalhador, sem culpa dos pecados do cangaço. Entre a dor e o ódio, jurou vingança.
Clementino José Furtado, o sargento Quelé
Família de Lampião busca abrigo em Juazeiro do Norte
Após o crime, a família de Lampião, inclusive os Paulo, deixou a região e foi buscar abrigo em Juazeiro, no Ceará, onde esperavam escapar da perseguição sanguinária das volantes e encontrar proteção sob a sombra do Padre Cícero.
No mês de março daquele mesmo ano, 1926, quando esteve em Juazeiro, Lampião visitou sua família e, em entrevista concedida à imprensa, deixou transparecer seu rancor contra as forças paraibanas. Disse ele:
“Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias destes estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é uma polícia disciplinada e valente que muito cuidado me tem dado; a da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente”.
Suas palavras, certamente, eram uma alfinetada direta ao sargento Quelé — o homem que, com sua bravura e dureza, expulsou a família de Lampião do Estado de Pernambuco.
( * ) Trecho do livro “A Saga do Sargento Quelé, o Lendário Tamanduá Vermelho”, de José Tavares de Araújo Neto
Capa: Sargento Quelé, imagem a partir de IA ( Inteligência Artificial)
Foto matéria: Clementino Quele