José Tavares de Araújo Neto (*)
Lampião, mestre em criar epítetos que misturavam deboche, ironia e ao mesmo tempo reconhecimento da valentia alheia, chamou o sargento Clementino José Furtado, o célebre Quelé, de “Tamanduá Vermelho”. O apelido, que atravessou o tempo, não surgiu por acaso. Carrega em si imagens profundamente enraizadas no imaginário popular nordestino.
O tamanduá, animal aparentemente lento e desengonçado, é respeitado no sertão pela força inesperada e pela coragem silenciosa. Diz o povo que “até a onça teme o abraço de tamanduá”, pois, quando se defende, o bicho não larga o inimigo até sufocá-lo. Daí nasceu a expressão “abraço de tamanduá”, usada no Nordeste para se referir a situações traiçoeiras ou sufocantes, um gesto que parece afetuoso, mas esconde perigo.
Na leitura astuta de Lampião, Clementino tinha algo desse espírito. Homem de coragem, firme no enfrentamento, não se deixava intimidar, e quando se engajava numa luta, não recuava. Seu modo de agir lembrava justamente o tamanduá, um misto de valentia silenciosa, esperteza e resistência até o fim.
O complemento “vermelho” reforçava a peculiaridade física de Quelé. Sua pele, naturalmente avermelhada, ganhava ainda mais cor quando ele se irritava ou era contrariado, deixando-o com a fisionomia ruborizada. O detalhe, notado por Lampião, serviu de tempero para o apelido, transformando-o em uma alcunha memorável, uma mistura de zombaria e reconhecimento.
Assim, o nome “Tamanduá Vermelho” sintetiza a visão que até o rei do cangaço teve de Clementino Quelé: um homem cuja força não se media pela aparência, mas pela firmeza e determinação — atributos que o tornaram figura lendária nas histórias de resistência do sertão.
( * ) Trecho do livro A Saga do Sargento Quelé, o Lendário Tamanduá Vermelho, de José Tavares de Araújo Neto.
Imagem: Clementino José Furtado considerado por alguns pesquisadores um herói da Polícia Militar da PB. Embora tenha sido cancelado pela corporação ao longo da História.