Não deveria causar surpresa nos dias atuais alguns aspectos da conjuntura política nacional, quando nem a mídia nativa ou historiadores podem esconder o conluio entre a Política e o Crime, embaralhamento entre as instituições de Defesa e a formação de milícias privadas que seguem desempenhando papel politico e militar em todos os estados, nas capitais e cidades menores.
Ninguém pode esconder que desde 2018 as milícias cariocas são uma espécie de governo paralelo no Rio e estiveram no comando do Palácio do Planalto de 2019 a 2022. Não foi muito diferente, em 1926, quando o presidente Artur Bernardes ocupava o Palácio do Catete.
Integrantes da Coluna Prestes ou Coluna Miguel Costa
Em decorrência de uma quartelada ocorrida em 1922, surgiu o Movimento Tenentista com os chamados “Dezoito do Forte de Copacabana”; entre 1925-27, uma rebelião no Exército Brasileiro demandou na formação da famosa Coluna Miguel Costa que tornou-se famosa e mais conhecida pelo nome de Coluna Prestes.
A Coluna Miguel Costa-Carlos Prestes, era formada pela jovem oficialidade do Exército e o governo do presidente Arthur Bernardes vivia um dilema: como enfrentar os revoltosos se o Exército fazia “corpo mole” para combater os revoltosos (colegas de farda); daí surgiram os “Batalhões Patrióticos”, milicias armadas com recursos públicos, mas formadas por civis e sob o comando de políticos regionais leais ao governo.
Fugaz período de Lampião na legalidade
Quando a marcha da Coluna Prestes transitou pela região Nordeste, o governo federal não teve dúvidas: convocou os chefes políticos locais para formarem exércitos próprios e assim combater os rebeldes. Em livro de memórias, O general Góes Monteiro, chefe de estado-maior das operações contra a Coluna Prestes, assume que partiu dele a ideia de convocar jagunços e cangaceiros para fazer frente ao avanço de Prestes.
Prestes: o Cavaleiro da Esperança
Coube ao deputado federal pelo Ceará, Floro Bartolomeu, formar o Batalhão Patriótico do Juazeiro do Norte com mais de mil homens, aí inclusa uma “Tropa de Elite”: o bando de Virgulino Ferreira da Silva Lampião.
Em março de 1926, Lampião e sua “Tropa de Elite” composta por cerca de 50 cangaceiros, atendeu à uma convocação assinada pelo padre Cícero Romão Batista, o líder religioso e e chefe político de Juazeiro para somar forças em defesa da cidade.
Lampião em pose de cinema
Desde o início daquele ano de 26, a família de Virgulino Ferreira já morava confortavelmente em Juazeiro do Norte, sob a proteção do padre Cícero – e uma convocação do maior líder religioso do Brasil – era “irrecusável”.
Durante uma semana Virgulino Ferreira e seus lugar-tenentes, Antônio Ferreira (seu irmão) e o icônico cangaceiro Sabino das Abóboras, foram recebidos por autoridades civis e militares, receberam fuzis modernos, farta munição, vestimenta e dinheiro para integrarem a coalização armada criada para a defesa de Juazeiro. Numa passe de mágica, todos os pecados e crimes de Lampião e seus cangaceiros foram apagados.
O próprio padre chegou a acreditar na regeneração do famoso bandoleiro e na sua retirada para um “exílio” honesto e pacífico em Goiás.
Na prática foi o fugaz período de Lampião na Legalidade.
Assim, a milícia privada que recebeu o pomposo nome de “Batalhão Patriótico” foi formada por militares, civis, jagunços e cangaceiros – em grande parte criminosos foras da lei.
Até os dias atuais, historiadores e pesquisadores se digladiam em torno da legitimidade da patente de capitão do “Batalhão Patriótico” conferida a Lampião – o fato é que Virgulino, a partir daquele momento, passou a assinar como Capitão Virgulino Lampião. De quebra, Antônio Ferreira recebeu a patente de tenente e Sabino a de sargento.
Desde 1926, miliciais paramilitares se tornaram braços armados não só do crime organizado, mas também de governos e partidos políticos no Brasil. Em 1936 os “Integralistas” criaram suas milícias; na década de 70, surgiram os “Esquadrões da Morte” formados por PMs, militares do Exército e policiais civis; na atualidade as milícias atendem por diversas denominações.
A vaidade – Lampião sempre gostou de publicidade, suas imagens dominaram o noticiário brasileiro entre 1922 a 1938; biografado ainda em vida, Virgulino segue como o brasileiro mais pesquisado, tema de romances, teses de Mestrado, documentários, enredos de escolas de samba, filmes e seriados de TV.
E no curto período de sua legalidade, em Juazeiro, posou para foto oficial ao lado de toda sua família, concedeu entrevistas, foi convidado especial de rega-bofe da sociedade embora não haja registro de seus encontros reservados com o padre Cícero.
Aliás, Juazeiro do Norte mantém um santuário para peregrinações ao “santo milagroso Padim Ciço”, mas ao mesmo tempo busca cancelar, apagar, qualquer registro histórico entre o vigário geral do Juazeiro e o célebre cangaceiro que, graças ao padre e a um político populista, viveu uma semana na legalidade, festejado e incensado pela população contra a Coluna Prestes, que defendia reforma no Judiciário e no ensino, voto universal e o fim do coronelismo. Que paradoxo!
As milícias de todos os matizes seguem dando as cartas no País, algo como a vanguarda do atraso do Brasil.
Foto emblemática de Lampião na legalidade
1.Zé Paulo, primo; 2 -Venâncio Ferreira (tio); 3 – Sebastião Paulo, primo; 4 – Ezequiel, irmão; 5 João Ferreira, irmão; 6 -Pedro Queiroz, cunhado (casado com Maria Mocinha, que está à sua frente, sentada); 7- Francisco Paulo, primo; 8- Virgínio Fortunato da Silva, cunhado (casado com Angélica) 9 – ZÉ DANDÃO, agregado da família. SENTADOS, da esquerda para direita: 10 – Antônio, irmão; 11-Anália, irmã; 12 – Joaninha, cunhada (casada com João Ferreira); 13 -Maria Mocinha, ou Maria Queiroz, irmã; 14-Angélica, irmã e 15 – Lampião.
Fonte de consulta: escritor José Tavares.
“Cangaço em Perspectiva – O Sertão em Lutas” coletânea de artigos organizada pelo editor Adriano Carvalho.