Declarações do comandante da Marinha, Marcos Felipe Olsen a respeito da inclusão do nome do marinheiro João Cândido no livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, um projeto de lei em tramitação no Senado Federal repercute negativamente.
Em carta de solidariedade à família do “Almirante Negro”, a direção da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) critica a postura do chefe da Marina.
Aos 85 anos, o único filho vivo de João Cândido Felisberto, conhecido como “Almirante Negro”, reagiu com indignação e rebateu com contundência as declarações do comandante da Marinha Marcos Sampaio Olsen.
Adalberto Cândido afirmou que seu pai não era um herói da Marinha, mas um “herói do povo”.
A carta:
Prezado Adalberto do Nascimento Candido, Candinho
Escrevemos esta carta para expressar nossa profunda solidariedade neste momento difícil que você e sua família enfrentam com mais uma agressão à memória de seu pai João Candido, o Almirante Negro, que liderou, em 1910, a rebelião de marinheiros contra castigos e práticas racistas que foram cometidos pela Marinha Brasileira.
No momento em que a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados discute o PL 4046/21 que inscreve o nome de João Cândido Felisberto no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, nada mais inoportuno e preconceituoso do que o documento enviado pelo almirante Olsen aos deputados.
Ficamos consternados ao saber das declarações depreciativas feitas pelo Ministro da Marinha almirante Marcos Sampaio Olsen que, em um ato de desrespeito e leviandade, menosprezou e hostilizou a memória de seu pai. Chamar as atitudes de João Candido de “deploráveis” e qualificar sua liderança na Revolta da Chibata de um “flagrante exemplo de conduta reprovável” é não apenas insensível, mas também uma flagrante distorção da história.
João Candido foi um homem corajoso e dedicado à luta por justiça e igualdade. Sua liderança foi fundamental para garantir o reconhecimento dos direitos dos marinheiros brasileiros e marcar um capítulo importante na história do nosso país. As ações de João Candido, longe de serem reprováveis, devem ser celebradas como atos de bravura e compromisso com os direitos humanos.
As declarações do almirante demonstram uma profunda falta de conhecimento sobre a história e um desprezo pela memória de um homem que dedicou sua vida à luta por um Brasil mais justo. É lamentável que alguém com tão pouco apreço pela verdade e pelo respeito se sinta no direito de proferir tais palavras ofensivas.
Temos a certeza de que a maioria do povo brasileiro reconhece e admira a importância de João Candido. Sua luta contra os castigos físicos na Marinha continuará inspirando gerações de brasileiros que lutam por um país com mais justiça social.
Em nome de todos os seus colegas da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) que admiram e respeitam a memória de João Candido eis aqui o nosso protesto.
Obs: Adalberto do Nascimento Candido, Candinho, trabalhou na ABI por 62 anos.
Atenciosamente,
Luiz Paulo Lima
Jamile Barreto
Marcos Gomes
Diretoria de Igualdade Étnico-Racial da ABI
Família do “Almirante Negro” responde ao chefe da Marinha
Aos 85 anos, o único filho vivo de João Cândido Felisberto, conhecido como “Almirante Negro”, reagiu com indignação e rebateu com contundência as declarações do comandante da Marinha Marcos Sampaio Olsen.
Adalberto Cândido afirmou que seu pai não era um herói da Marinha, mas um “herói do povo”.
“Se fizesse um plebiscito, uma eleição para saber sobre o reconhecimento, ele (João Cândido) ia ganhar”, declarou Adalberto, em entrevista ao jornal O Globo.
Conhecido como Candinho, ele é morador de São João de Meriti, onde seu pai passou os últimos anos de vida. Adalberto ressaltou que João Cândido é reconhecido internacionalmente e que sua figura é fundamental na história do país.
O filho do “Almirante Negro” relatou que não teve coragem de ler a carta de Olsen na íntegra, que classificava a Revolta da Chibata como um “episódio vergonhoso” e os marinheiros que participaram como “abjetos”.
Adalberto disse, ainda, que seu pai sempre foi perseguido pela Marinha, desde os eventos de 1910 até os dias atuais, em consequência do racismo institucionalizado na época e à resistência liderada por João Cândido.
O filho do “Almirante Negro”, afirmou, também, que João Cândido era reservado e não comentava muito sobre o movimento que liderou. Porém, sofreu perseguições, como a tentativa frustrada de trabalhar na Marinha Mercante e a proibição da instalação de um busto em sua homenagem em Porto Alegre (RS), onde nasceu.
Adalberto segue o exemplo e continua lutando pelo reconhecimento do legado de seu pai e pela construção de um museu em sua memória em São João de Meriti.
Com Revista Fórum