O blog publica a seguir, a segunda parte do texto inédito do historiador e pesquisador do Cangaço e Coronelismo, José Tavares, sobre o cangaceiro paraibano Chico Pereira. “As inter-relações do cangaceiro Chico Pereira com cidadãos acima de qualquer suspeita” será publicado em Pdf, a pedido da Sociedade Brasileira do Estudo do Cangaço, organização que reúne escritores e pesquisadores sobre o tema. Chico Pereira e suas interlocuções com oficiais da PM paraibana; a prisão em Cajazeiras, sua entrega á polícia do Rio Grande do Norte.

A entrega de Chico Pereira ao governo do Rio Grande do Norte

Por José Tavares de Araújo

Havia no Estado da Paraíba três processos contra Chico Pereira. Na Comarca de Princesa respondia pelas mortes do soldado Salu, na serra do Pau Ferrado, e o soldado Pierre de Sousa, em Areias do Pelo Sinal. O terceiro processo era na comarca de Pombal, pela morte do soldado Mauricio, na fazenda Pau Ferrado. Todos estes crimes aconteceram em combate, coincidentemente, contra forças públicas sob o comando doo Tenente Manuel Benício.

Na manhã seguinte da visita do irmão Aproniano Pereira e do amigo João Fernandes, o Tenente Manuel Arruda, acompanhado pela mesma escolta que o acompanhava desde Cajazeiras, pôs em andamento a determinação do Chefe de Polícia levar o preso para a cadeia de Princesa. Entretanto, ao chegar à cidade de Patos, o oficial foi surpreendida com uma nova determinação vinda diretamente do Presidente do Estado: Em vez de seguir para Princesa, o prisioneiro deveria ser entregue à força policial do Rio Grande do Norte, que o aguardava no município de Santa Luzia, nos limites com aquele Estado.

Estação ferroviária de Sousa, município de atuação de Chico Pereira 

“Quando, naquela manhã, deixando Pombal, Chico entrou no carro policial, não faltou quem fosse assistir à saída. Riu a todos. Acenou pelas janelas na certeza de achar em Princesa a absolvição do crime restante. Ia buscar a liberdade.

Em lugarejos, aqui e ali, curiosos se apinhavam para vê-lo. A notícia já viera antes:

— Chico Pereira preso!

— Ora preso! Agora é que o Presidente vai soltá-lo.

Passou Condado. Passou Malta. Patos também. O carro mudava agora de estrada. Subia, rumo norte.

— Vocês não erraram a estrada?

— Que estrada, seu Chico?

— De Princesa.

— Não se vai para Princesa, não. É para o Rio Grande do Norte. (Fora ordem recente recebida do Presidente, em Patos).

— Afinal, eu vou preso pra onde?

— Acari.

— Acari? E me disseram que era Princesa?

Um surto repentino de pensamentos macabros assanhou-lhe a mente. Rio Grande! Terra desconhecida! Sem um amigo que o olhasse. Sem um conhecido que lhe desse bom–dia. Rio Grande sem cangaceiros mas onde os jornais falavam diariamente de crimes. Rio Grande do Presidente matando presos, bandidos e cangaceiros que de fora chegassem. Rio Grande do Tenente Moura, bebendo para espancar presos, matá-los, fazê-los desaparecidos.

Prometeram-lhe Princesa na fronteira de Pernambuco e vinha chegando agora Santa Luzia na fronteira oposta do Rio Grande tenebroso daquelas eras.

E nessa cidade, quanta gente esperando! Um pequeno ônibus parado e farda muita em torno: dez, onze, doze, treze militares. Quatorze com um Tenente. A polícia potiguar, avisada, viera recebê-lo.

Passava de um a outro carro, de uma a outra polícia quando o Tenente falou:

– Estire os punhos dos braços. As algemas …

O Tenente Arruda suplicou ainda:

– Tenente Honorato, não algeme o homem.

Um silêncio acompanhou a cena, como se assistissem um rito. As algemas se atritavam num toque rouco de campainhas.

O ônibus partiu.”

Execução de Chico Pereira

Cangaceiro Chico Pereira tinha amigos na polícia e relações com o governo

Por medida de segurança, o Presidente do Estado Juvenal Lamartine havia determinado que o preso fosse levado à Casa de Detenção da capital daquele Estado, ali permanecendo enquanto o processo fosse julgado. O advogado Café Filho, que em 1954 em consequência do suicídio de Getúlio Vargas viria a ocupar a presidência da República, foi constituído com defensor do acusado de ter assaltado a fazenda de Quincó da Ramada.

Já havia se passado pouco mais de dois meses desde a sua prisão em Cajazeiras. Em 17 de outubro, Chico Pereira foi cientificado de que o júri iria acontecer no dia 19 na cidade de Acari.

Era plano do advogado Café Filho acompanhar o seu constituinte durante o traslado, mas foi aconselhado por amigos a não fazer essa loucura. A polícia norte-rio-grandense tinha fama de executar cangaceiros presos, a exemplo do que fizeram com Jararaca, Bronzeado e Mormaço, participantes do frustrado assalto à Mossoró. O primeiro foi morto em junho de 1927 na cidade Mossoró, quando se encontrava à disposição preso. Já os outros dois encontravam-se presos em Martins e tiveram o mesmo fim, em março de 1928.

Casarão, Fazenda Acauã, do presidente João Suassuna, em Aparecida(PB)

Café Filho decidiu ouvir a voz da prudência. Não iria acompanhar a escolta em carro próprio, conforme havia planejado inicialmente. Seria caso os militares resolvessem executar o preso, certamente também seria morto como queima de arquivo. Além disso, ele e Juvenal Lamartine eram inimigos políticos e pessoais.

No final da noite 27, a escolta constituída pelo Tenente Joaquim Teixeira de Moura, os Sargentos Genésio Cabral de Lima e Luiz Auspício de Oliveira e também o Cabo Feliciano Tertuliano da Silva partiram da Casa de Detenção de Natal conduzindo Chico Pereira.

Na manhã de 28 de outubro de 1928, na propriedade de nome Maniçoba, nas proximidades da cidade de Currais Novos, Chico Pereiro foi vítima fatal de um suposto acidente automobilístico. Mais tarde, descobriu-se que se tratou de um crime premeditado. Restou comprovado que tudo fora planejado no Gabinete do Governo do Rio Grande do Norte.

Pouco dias após a trágica morte de Chico Pereira, o mesmo Tenente Joaquim de Moura, frente a uma milicia de quarenta militares, invadiu a residência de Café Filho em plena madrugada. Café Filho não se encontrava em casa, mas muito vandalismo foi praticado, inclusive humilhação a sua esposa. S

O Coronel João Pereira e Dona Maria Egilda Dantas eram pais de quatro filhos do sexo masculino: Francisco (Chico), Abdon. Aproniano e Abdias. Aproniano era o mais irrequieto dos irmãos, até mais precipitado e violento que Chico Pereira, enquanto Abdias era manso e ponderado. Chico foi a primeira vítima fatal dessa imensurável tragédia familiar.

Capela em Patos de Irerê. Serrote do Pau Ferrado

Logo depois, foi Abdon quem deixou a dimensão dos vivos. Estudante de Medicina no Rio de Janeiro, ele era a grande aposta dos pais para representar a família na política local em um futuro bem próximo. Entretanto, pós o assassinato do patriarca e de suas consequências, começou a falta de recursos financeiros para manutenção do acadêmico de medicina na capital federal.

O tempo foi passando, a cada dia mais precária ficava a situação do estudante. Abandonado na pensão, fraco e com depressão, logo foi acometido por febre tifo, e, por fim, diagnosticado portador de tuberculose. Decidiu voltar a casa dos pais.

Ao chegar em Jacu, Dona Maria Egilda não conseguiu esconder sua perplexidade diante do aspecto cadavérico do seu amado filho:

— Meu filho, o que foi isso? Meu filho, que desgraça foi essa?

— Vim morrer em casa, mamãe.

A motivação do assassinato de Aproniano Pereira permanece até os dias de hoje um fato inexplicável, principalmente por conta da circunstância do fatídico. Sob o pretexto de que São João do Rio do Peixe estaria prestes a ser atacada pelos revoltosos de Princesa, movimento liderado pelo coronel José Pereira e o então deputado João Suassuna,

Aproniano Pereira fora convidado para reforçar a defesa da cidade. É com esse intento que vão buscá-lo na fazenda jacu, situada a apenas trinta quilômetros da fazenda de São Joao do Rio do Peixe. A polícia lhe dá garantias que não iria importuná-lo por conta de supostas pendências que ele tinha com a lei.

Os revoltosos desistem de atacar a terra do padre Cirilo de Sá, Deputado e chefe Policio local. Cientes da resistência preparada, corta caminho, tomam outros rumos. A cidade estava salva.

Para reportar o sucedido, mas uma vez recorreremos ao “Vingança, Não”:

“A cidade inteira se alegra, se congratula pela salvação comum. Os defensores abandonam as trincheiras, aplaudidos como heróis. A polícia se desfaz em agradecimentos a todos pela solidariedade.

É nesta fase de contentamento geral, de gratidão policial, que Aproniano é alcançado numa casa de venda pelo Tenente Renovato:

—  Aproniano, esteja preso.

Ele se volta esboçando riso, porque a ordem só tem sentido de gracejo. Mas não era prisão nem gracejo. Era a própria morte. O revólver já estava escalado sobre seus rins. Quatro tiros seguidos o deixaram em estado de coma.

Alguém da família Bernardo tentou atirar no tenente. A intervenção de terceiros, felizmente, evitou maiores males.

Essa polícia que subiu às glórias do heroísmo épico nos feitos da revolução de 1930, tinha contudo figuras tristes como esta. Todo rebanho tem a ovelha negra. E ela não define a classe.

Horas depois, morria Aproniano, sem saber porquê. Era a última vítima da questão dos Pereiras.”

Segundo o autor, este fato ocorreu no dia 6 de agosto de 1930, portanto, onze dias após o assassinato do Presidente Joao Pessoa, ocorrido em 26 de julho, data em que o Coronel José Pereira declarou o fim movimento armado de Princesa. Algumas pessoas desatentas atribuem a Aproniano Pereira o assassinato de João Suassuna, ocorrido no Rio de Janeiro, em 9 de outubro daquele mesmo ano.

Da irmandade, Abdias Pereira Dantas foi o único a ter vida plena. Ele faleceu de morte natural em 28 de julho de 2004. Dedicou sua vida a criação e educação dos três filhos do seu irmão Chico Pereira. Inclusive só contraiu matrimônio após formar os sobrinhos. Francisco Pereira Nobrega ordenou-se Padre; Raimundo Pereira Nóbrega formou-se em Engenharia Civil; e Dagmar Pereira Nóbrega tornou-se frade Franciscano, adotando o nome religioso Frei Albano.

Quando Chico Pereira foi preso sua esposa Jarda estava gravida do quarto filho casal. Desta gestação nasceu uma criança do sexo feminino que foi batizada com o nome de Arabela. Ela faleceu poucas semanas depois..

Em 1935, Café Filho, então Secretário de Segurança, foi responsabilizado pelo assassinado o Engenheiro Agrônomo Dr. Otávio Lamartine, filho de Juvenal Lamartine. O crime aconteceu em 13 de fevereiro, em sua propriedade denominada Ingá, no município de Acari.

Escritor e pesquisador José Tavares

A força sob o comando do Tenente Oscar Rangel se dirigiu até a fazenda Ingá, a fim de cumprir um mandado de prisão contra seu proprietário Dr. Otávio Lamartine. Apesar de apresentar um habeas corpus, o Engenheiro Agrônomo foi ferido mortamente por um tiro disparado por um Cabo de Polícia de nome José Galdino.

O mais intrigante foi fato a constatação de que o Cabo José Galdino, fora empregado do coronel João Pereira, pai de Chico Pereira, o que motivou Juvenal Lamartine afirmava que o assassinato do seu filho teria sido premeditado, acusando Café Filho e Abdias Pereira, irmão de Chico Pereira, como os autores intelectuais do crime.

Autor: Zé Tavares ( escritor e pesquisador)

 

 

 

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