As Inter-relações do cangaceiros Chico Pereira
José Tavares de Araújo
O blog publica a seguir, texto inédito do historiador e pesquisador do Cangaço e Coronelismo, José Tavares, sobre o cangaceiro paraibano Chico Pereira. “As inter-relações do cangaceiro Chico Pereira com cidadãos acima de qualquer suspeita” será publicado em Pdf, a pedido da Sociedade Brasileira do Estudo do Cangaço, organização que reúne escritores e pesquisadores sobre o tema. Chico Pereira e suas interlocuções com oficiais da PM paraibana, políticos como o presidente João Suassuna, ex-presidente Café Filho, governador e Manoel Benício, delegado em Sousa.
A família Suassuna
A partir dos meses finais de 1926, era cada vez mais recorrentes rumores dando conta de que Chico Pereira seria o responsável por alguns assaltos que vinham ocorrendo nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, muito embora ele contestasse veementemente essas acusações.
Assim como a família de Chico Pereira, o então Presidente do Estado da Paraíba, João Suassuna também tinha domicílio no município de Sousa. Além da residência oficial na capital paraibana, o Chefe do Executivo Estadual costumava frequentar a sua fazenda Acauã localizada no setor Leste, enquanto a fazenda dos Pereiras, denominada Jacu, localizava-se no setor Norte, uma distância uma da outra de cerca de seis léguas.
Não era segredo para ninguém que Chico Pereira mantinha um estreito vínculo afetivo com os Suassunas. Ele mesmo fazia questão de alardear a sua amizade com membros da família do Presidente do Estado, sobretudo com os seus irmãos Antônio e Anacleto, Prefeito e Delegado da cidade de Catolé do Rocha, os quais o cangaceiro tratava com grande intimidade, inclusive chamando-os de “Tonho” e “Quetinho”, seus respectivos apelidos no seio familiar.
Cangaceiro Chico Pereira; Boas relações políticas
Assalto à fazenda Rajada do Coronel Quincó da Ramada
No início de 1927, um pequeno grupo de bandoleiros praticou assalto à propriedade do octogenário Coronel Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido popularmente por Quincó da Ramada, fazendeiro do município de Acari. O crime teve repercussão, principalmente no meio político potiguar, em virtude do parentesco das vítimas, coronel Quincó da Ramada e sua esposa Maria Floretina de Medeiros (dona Maricota), com o então Presidente do Estado do Rio Grande do Norte, José Augusto Bezerra de Medeiros, como também de Juvenal Lamartine de Faria, que viria sucedê-lo a partir de 1º de janeiro de 1928. José Augusto era sobrinho de Juvenal Lamartine.
Rumores cada vez mais fortes davam como certo que o crime de Acari teria sido comandado por Chico Pereira, destacando com ênfase a ligação do chefe cangaceiro com familiares do Presidente do vizinho Estado. João Suassuna sentia-se bastante incomodado e, de certa forma, pressionado pelas recorrentes cobranças do seu colega do Estado vizinho, parente próximo de sua esposa Rita de Cássia Dantas Vilar.
O Presidente João Suassuna havia herdado do seu antecessor, Solon de Lucena, a árdua missão de combater o bando de Lampião que havia feito da Paraíba uma verdadeira sucursal do crime, sediada no município de Princesa. Após o assalto à cidade de Sousa, ocorrido em 27 de julho de 1924, uma ambiciosa operação foi montada com o objetivo de desalojar definitivamente os bandidos do solo paraibano. Para tanto, na cidade de Princesa foi instalado o batalhão de forças volantes, tendo à frente o comando do coronel José Pereira de Lima, deputado Estadual e chefe político local.
Depois de pouco mais de um ano e meio, muitas prisões e grande derramamento de sangue de ambos os lados, a campanha militar foi considerada vitoriosa, culminando com a evasão dos bandidos para a região do cariri cearense, em busca de refúgios menos inóspitos.
As medidas tomadas pelo governo da Paraíba foram elogiadas e destacadas como referências no combate ao banditismo rural. Objetivo concretizado, as forças volantes foram desmobilizadas. O coronel José Pereira retomou as suas atividades empresariais e políticas. O Tenente Manuel Benício, seu fiel e destemido escudeiro nessa luta, foi desempenhar o cargo de Delegado de Polícia na cidade de Pombal.
Em tão curto tempo, o Presidente João Suassuna via-se diante de uma encruzilhada que poderia comprometer o seu legado. A amizade de seus irmãos com Chico Pereira, o responsável maior pela grande tragédia que se abateu sobre a cidade de Sousa, era algo, no mínimo, constrangedor, para um ex-juiz de direito que alçando ao posto maior da Administração Pública do Estado fez da segurança pública o seu principal cavalo de batalha.
Comentava-se a boca miúda que após as incursões criminosas no vizinho Estado, Chico Pereira se homiziava impunemente em Pombal, na fazenda Pau Ferrado, pertencente a sua sogra dona Emília Nóbrega Mamede e seus filhos.
Cerco à Fazenda Pau Ferrado
Fazenda Pedras, Um coito de Cangaceiros, em 1922
No início da noite de 12 de outubro de 1927, Juca Mamede, cunhado de Chico Pereira, chegou à fazenda Pau Ferrado, provindo da cidade de Pombal, para onde havia ido resolver algumas coisas particulares. Encontravam-se na sala da casa da fazenda, dona Emília, sua filha Jarda, o genro Chico Pereira e seu cabra de confiança Manuel Mendes.
Juca Mamede foi o responsável pela vingança do seu pai, o major Antônio Mamede, assassinado em sua fazenda na fazenda Pau Ferrado, pelos irmãos José e Manuel Cavalcante de Lacerda, fato ocorrido em abril de 1919 por questões de terra.
Juca se dirigiu ao seu cunhado e contou o que viu na cidade da seguinte forma;
– Chico, lhe dou um conselho: não durma hoje em casa. Está chegando tanto soldado a Pombal que faz medo. Perguntei a todo mundo e ninguém me deu notícia de barulho por este sertão que precise de tanta polícia. Só quem tem questão grande assim é você. A impressão que tenho é que vão cercar a casa hoje à noite.
Confiante, Chico Pereira contestou a possibilidade dele ser o alvo da força policial:
— Qual nada! Eu tenho garantias do Governo. Ando no meio da rua e não me prendem. Agora vêm me prender em casa?
Juca Mamede estava certo. Não foi naquela noite, mas madrugada do dia seguinte. Pouco antes das quatro horas, o terreiro da casa foi ocupado por uma força policial. Alguém bateu a janela da frente e se identificou:
— Sou o sargento João Ferreira. Vim com o Tenente Manuel Benicio. O governo mandou dizer que o senhor se entregasse para responder júri.
Do interior da casa, ecoou a voz de Chico Pereira:
— Não me entrego. Quando o governo quiser que me Sue para júri mande um soldado só, com um bilhete. Mas assim, não.
E prosseguiu:
— D. Emília está pedindo para retirar a família.
O sargento autorizou a saída da família pela porta da cozinha. Entretanto quando foram a abrir a porta dos fundos para a saída da família, ouviu-se a voz do Cabo João Piaba:
— Por aqui ninguém sai.
Chico Pereira voltou à janela da frente e reclamou:
— Sargento, atrás não deixam sair.
— Então ninguém sai – respondeu o sargento.
A partir de então, iniciou-se um cerrado tiroteio.
A família se recolheu para a parte mais segura da casa, ficando na grande sala apenas Chico Pereira, Manuel Mendes e Jarda, que os ajudava no municionamento das armas.
“O sol subiu alto no céu: seis, sete, oito horas da manhã. E o mesmo ritmo de luta. Só que a munição de casa ia se escasseando. Manuel Mendes único cabra que com Chico lutava dentro de casa contra a polícia, agora cruzou os braços. Não havia mais bala. Jarda aflita via que a munição quase toda cabia na concha das mãos unidas. Chico propôs que o cabra saltasse no terreiro e fosse embora. Achou perigoso e não se atreveu” (F. Pereira Nobrega, 1960)
Em meio ao tiroteio, um soldado de nome Mauricio, com idade já avançada, inadvertidamente decidiu entrar na casa. Segue a narrativa do escritor e F. Pereira Nóbrega:
“Tão velho, tão cansado, achou contudo que estava mais perto das honras do que da morte.
Luminosa ideia lhe ia passando pela mente aturdida explosões. Colado o corpo ao chão, junto a calçada, contou os seis tiros que pela porta saíram.
— Enquanto Chico refaz a carga — imaginou ele — passará a atirar da janela, como costuma alternar.
Abandonou o fuzil. Os movimentos rápidos a se fazerem em segundos, com o punhal seriam mais fáceis. Levantou-se da trincheira natural, colocou o grande punhal nu entre os dentes trincados. As mãos livres elevaram o corpo senil sobre a calçada alta. Acobertado pela fumaça espessa, atirou-se de casa a dentro, pela porta aberta, agora de punhal na mão.
Ia matar Chico. Ia ganhar um galão.
Foi um engano fatal. Chico voltava inesperadamente porta. A primeira bala entrou no tórax do velho soldado. Tombou sobre a soleira da porta e se arrastou a um lado, pela calcada afora.
A soldadesca debandou um momento.
De fora, pediram um instante de trégua, mas passou rápido e a luta continuou.”
O velho soldado deu seu último suspiro nos braços do filho que também integrava a da força.
Praticamente sem munição, Chico Pereira gritou repetidas vezes pelo nome do Tenente Manuel Benicio, sem, obter respostas a não serem rajadas de balas.
Apesar do alto risco, a tentativa de furar o cerco era a única saída. Por sorte, alguns amigos da redondeza ensaiaram uma tímida reação contra a força, possibilitando assim a fuga dos dois sitiados:
“Sobrevieram tiros da mata sobre os militares. Tiros poucos, mas eficazes. Amigos da redondeza, furtivamente ajudavam Chico. Com isso a soldadesca novamente recuou, refugiando-se detrás da cozinha. E agora, com tamanho ímpeto que a cerca do jardim ficou por terra.
Chico bateu numa janela e gritou para os soldados:
– Esperem que vou saltar no terreiro.
Bateu noutra janela, depois noutra, sempre em pontos diversos. E saltou pela porta, atirando. Desapareceu na mata, acompanhado de uma chuva de balas.
Minutos depois era Manuel Mendes que saltava.”
Durante a fuga, Manuel Mendes foi alvejado em uma das pernas, mesmo assim conseguiu chegar aonde lhe esperava Chico Pereira, que o ajudou, carregando-o nas costas até um lugar seguro. O tiro sofrido por Manuel Mendes deixou-o coxo permanentemente.
Logo que a fuga foi consumada, o Tenente Manuel Benício chega ao local do confronto. Após ser informado da morte do soldado, o Delegado se dirigiu até o interior da residência, onde manteve confabulação com os familiares. Ao retornar, determinou que a força retornasse a cidade, transportando o corpo do companheiro em uma rede de dormir cedida por dona Emília.
O episódio ocorrido na fazenda Pau Ferrado foi notícia veiculadas nos principais jornais do País. Na edição do dia 24 de outubro, o “Diário da Noite” da cidade de São Paulo, veiculou a seguinte nota:
“Paraíba, 24 – Uma correspondência de Pombal informa que, no começo da semana passada, foi ali cercado por uma força de polícia o bandido Chico Pereira. Depois de violento tiroteio, o criminoso conseguiu romper o cerco e fugir. Morreu na luta um soldado de polícia.”
Escritor José Tavares no rastro de cangaceiros na Paraíba
Poucos dias depois, precisamente na edição de 7 de novembro, este mesmo periódico voltou a reportar com maior detalhamento sobre o assunto, inclusive traçando um interessante perfil da personalidade de Chico Pereira:
“Paraíba, Outubro – Tem sempre algo de interessante o estudo da psicologia dos bandidos. Não nos propomos a fazê-lo aqui. Contudo queremos hoje destacar a personalidade estranha do cangaceiro Chico Pereira, agora em foco com o cerco que a polícia paraibana lhe pôs em Pau Ferrado, nas proximidades da cidade de Pombal, no alto sertão.
Chico Pereira é um admirador do Faroeste americano. Usa chapéu de abas largas, pistola a cinta, pesadas cartucheiras, lenço vermelho ao pescoço, tudo de mistura com o muito nortista punhal e bordadas alpercatas.
Monta admiravelmente e gosta das situações difíceis, parecendo até haver escolhido a vida do cangaço pelo prazer dos arriscados desportos.
Pertence a conhecida família sertaneja. É um tipo insinuante e galanteador, possuindo mesmo alguma Instrução.
Há três anos passados, num assomo de desmedida bravura, assaltou em pleno dia a grande cidade de Sousa, levando centenas de contos em dinheiro, joias e mercadorias.
Passaram-se os tempos e já ninguém se lembrava de Chico Pereira. A semana passada, porém, o Delegado de Pombal, Tenente Manuel Benicio, teve denúncia de que o famoso campeador das catingas estava homiziado bem perto da cidade, no lugar Pau Ferrado, acompanhado apenas por Manuel Mendes, seu companheiro de crimes. Era mais uma demonstração de sua doentia paixão pela luta.
Comandados por aquele oficial, nossos milicianos fizeram o cerco da casa onde eles se encontravam. Ambos dormiam. Despertados pela fuzilaria, reagiram logo vigorosamente.
O cerco foi se apertando. Pouco depois, os bandidos se eclipsaram …
O Delegado explica o ocorrido. Infelicidade. Da polícia, está claro.
Dois soldados se encontravam próximo a uma das portas da casa assediada. Em dado momento, um deles tombou fulminado com certeira bala no coração. O outro se manteve no arriscado posto por algum tempo. Seu fuzil (fuzil Mauser, dos mais modernos) “mentiu fogo” e, para não ter a mesma sorte de seu companheiro, o soldado recuou. Chico Pereira e seu colega de aventuras aproveitaram a oportunidade. Assim reza o comunicado oficial …”
Relação de amizade com o Tenente Manuel Benicio
O Tenente Manuel Benicio tinha uma estreita relação de amizade com a família de Chico Pereira, advinda desde 1917, época em que ele foi Delegado da cidade de Sousa, Naquele tempo ele conheceu o coronel João Pereira Cabral, uma proeminente liderança política com forte influência nos arredores da povoação de Nazaré.
Possivelmente, foi por esse motivo que durante o combate do da Fazenda o oficial determinou que seus subordinados retornassem a Pombal, em vez de seguir em perseguição a Chico Pereira e Manuel Mendes.
Especulava-se, (pode até ter sido meras conjecturas, mesmo assim não se deve desconsiderar a possibilidade de sua veracidade) que o Delegado Manuel Benício havia tido uma conversa em particular com Juca Mamede e mandado um recado para que Chico Pereira se retirasse do Pau Ferrado, pois ele iria ao Pau Ferrado, cumprir um mandado de prisão. Obviamente, essa informação não foi abordada por F. Pereira Nóbrega, provavelmente para não comprometer o oficial da Polícia Militar da Paraíba.
Entretanto, no livro “Vingança, não”, o filho do Chico Pereira registra essa ligação de amizade entre o oficial e o cangaceiro, quando gravemente ferido na Serra do Pau Ferrado, Chico Pereira é aconselhado por Levino Ferreira, irmão de Lampião, para que ele se entregasse e que em nome dessa amizade, o Tenente Manuel Benício não iria permitir que a polícia o matasse, o que costumeiramente acontecia quando as forças capturavam cangaceiros:
— Seu Chico Pereira, é melhor o senhor se entregar ao Tenente Benicio. Ele é seu amigo e não deixa a polícia matar.
— Não, Levino. Isso, não! Nunca hei de dar esse gosto a polícia. Prefiro morrer brigando.
Em entrevista concedida ao jornal “O Globo” do Rio Janeiro, em 9 de setembro 1959, o então Major Manuel Benício, falando sobre os 67 combates que teve com cangaceiros, rememorou o combate da Serra do Pau Ferrado, desatacando-o como o mais memorável:
“Houve dias em que nosso encontros se repetiram, dos quais o mais memorável foi o ocorrido no lugar denominado Pau Ferrado, do município de Princesa, em agosto de 1924. Comandava 50 homens, 25 soldados e 25 paisanos, quando recebi a perigosa incumbência, do famoso Chefe Político José Pereira, de expulsar Lampião do território paraibano.
Encontrei os cangaceiros em Pau Ferrado e durante um dia e uma noite travamos uma luta de vida e morte na caatinga brava. De lado a lado havia disposição de combate e não faltava armas e munições. Ora, a minha volante obtinha vantagens e, em seguida, retrocedia ante a violenta reação dos bandidos. Lampião, temendo que eu recebesse reforço, fugiu para Pernambuco.”
O Tenente Manuel Benício da Silva faleceu na capital paraibana em 1972, aos 88 anos de idade. Três anos depois, precisamente no dia 9 de Janeiro de 1975, Abdias Pereira Dantas, irmão de Chico Pereira, revelou ao meu primo José Romero Araújo Cardoso e sua esposa Tânia Maria de Sousa o que seria um segredo de família. Segundo Abdias Pereira, teria sido o Tenente Manuel Benício quem resgatou o seu irmão quando este encontrava-se gravemente ferido no combate de Serra do Pau Ferrado, no município de Princesa.
Ao tomar conhecimento que o cangaceiro, gravemente ferido e picado por um cobra peçonhenta, estava em tratamento precário aos cuidados deum morador do lugar, o oficial da polícia paraibana o resgatou e, em vez de levá-lo a tutela da justiça, entregou aos cuidados do coronel Nilo Feitosa, destacado fazendeiro de político de Alagoa do Monteiro, município localizado no cariri paraibano.
Prisão na porta do cinema, em Cajazeiras
Em agosto de 1928, o Tenente Manoel Arruda era então Delegado de São João do Rio do Peixe, estava na vizinha cidade de Cajazeiras, quando recebeu a incumbência do Presidente João Suassuna de prender o cangaceiro Chico Pereira, que há pouco tempo havia conseguido se safar espetacularmente de um cerco da força volante comandada pelo Tenente Manoel Benício, na fazenda Pau Ferrado, munícipio de Pombal.
“Eu era Delegado de São João do Rio do Peixe. Mas fui assistir a festa de Padroeira em Cajazeiras. O Tenente Antônio Salgado, casado com minha prima Mariinha Arnaud, era o Delegado de lá.
De manhã, estávamos sentados na mesa, eu e Salgado, tomando café, quando buzinou um carro “Dodge”. Ele foi atender. Era um cartão do Presidente João Suassuna. Salgado chegou com o cartão e disse:
— Arruda, um cartão do Presidente para você. É reservado e urgente.”
Segundo o Tenente Manuel Arruda, no cartão constava uma ordem expressa para que o Tenente fizesse diligência para prender Chico Pereira que, provavelmente, estaria na fazenda dos familiares de sua esposa em Pombal. O Presidente recomendava que, caso a captura do criminoso viesse a ser concretizada, ele comunicasse imediatamente ao dr. Júlio Lira, Chefe de Polícia, para ele determinar p destino do preso.
Esta afirmação do de que não se sabia o paradeiro do foragido contrapõe ao relato de F. Pereira Nóbrega, em “Vingança, não”. Segundo Pereira, João Suassuna tinha conhecimento prévio de que o seu pai se faria presente na festa da padroeira Cajazeiras. Contas que uma semana antes, Chico Pereira havia abordado o Presidente numa Estrada em Sousa e mantiveram o seguinte diálogo, da seguinte forma:
“Chico atravessava a estrada, estendia a mão, o carro presidencial parava e saíam ambos, estrada afora.
— Presidente, posso ir à festa da Padroeira de Cajazeiras?
Daqui a uma semana. Dia 15.
— Pode. Por que não?
— Não vai ser motivo de censura à sua pessoa? Eu com um crime ainda a responder?
— Não estou mais ligando para o que dizem. Com mais poucas semanas, terei findo meu governo.”
Retornando à narrativa do Tenente Arruda:
“Com vistas ao cumprimento da determinação do Presidente, eu e Salgado formos até o quartel para tirar reforço. Tiramos dois praças. Mandei que se equipassem para tomar o trem às quatro e vinte da manhã, sem dizer para onde iam. Eu ia persegui-lo em Pombal, no Pau Ferrado.
À tarde, passeamos de automóvel e paramos no bar de Manoel Nóbrega, vizinho ao cinema de João Bichara, pai do ex-governador Ivan Bichara. Eu estava sentado na banca quando chegou Salgado e disse:
— Arruda, vem cá.
Eu fui chegando na porta e ele disse:
— O homem está aqui.
— Que homem?
— O Chico Pereira.
— Aonde?
Ele disse:
— Na igreja. Você fique aqui que eu vou chamar José Guedes.
Salgado retira-se e eu vou levantando a vista e lá vem Chico Pereira. Eu só tinha visto uma vez aqui em Pombal. Um sujeito louro, muito loiro, de costeleta, bem alto, corado, vermelho, era aloirado, bem vermelho. Trajava muito bem, vestia calça de casimira listrada, paletó azul marinho, chapéu lebre, bengala. Vinha de braço com uma moça. Uma bela jovem, uma mocinha lá, desavisada. Eu estava à paisano com o meu revólver, um revólver que eu tenho aí, um 38. Ele vai subindo a calçada para entrar no cinema com a moça, de braço. Eu me encaminhei, dei a mão a ele:
— Como vai Chico Pereira?
Ele disse: — Como vai o senhor?
Eu fiquei pegado na mão dele e disse: — Você agora tá preso, por ordem do Chefe de Polícia.
Ele disse: — Quem é o senhor?
— Tenente Arruda — Puxei o revólver.
A moça correu. Eu não sei nem qual a direção que ela tomou.
Então eu fui com a mão esquerda para pegar o revólver dele. Ele pulou. Mas eu tinha pegado na mão dele assim. Dei um golpe. Eu lacei o braço, o braço dele assim. Foi uma sorte. Eu arrebatei o revólver dele. Um revólver cabo leque. Eu puxei com a mão esquerda e arranquei com a bainha. Ele ficou com o cinturão e trinta e nove balas no cinto dele.
Eu disse: — Não estremeça que você morre!
Mas não podia nem botar o dedo no revólver porque ele estava com a bainha.
Nesse ínterim, o Costa pulou na frente. O Salgado já tinha se encontrado com o Costa:
— Não estremeça, bandido!
Eu disse: — O homem está preso, desarmado e garantido, Costa.
Lá vinha o João Fernandes, o guarda-costas dele avançando e o José Guedes com o Cabo tomaram a frente dele. Tomaram o revólver e a pistola dele.
Eu o encaminhei para a cadeia e mandei formar uma guarda. Incontinente, eu mandei buscar um carro. O mesmo “Dodge” que foi levar o cartão do Presidente me transportou.
A estrada que liga Cajazeira a Pombal era infamérrima. Tanto, que saímos de Cajazeiras às oito horas a vimos chegar em Pombal às duas horas da madrugada.
Incontinente, eu mandei providenciar um carro para transportar o preso imediatamente para a cadeia de Pombal. Veio aquele mesmo “Dodge” que me trouxe o cartão do Presidente pela manhã.
Os cem quilômetros de estrada até Pombal eram infamérrimos. Tanto, que saímos de Cajazeiras às oito horas e só viemos chegar ao destino às duas horas da madrugada.
No cartão, o Presidente Suassuna havia recomendado que no caso o criminoso fosse preso, eu telegrafasse para Júlio Lira, Chefe de Polícia, que ele diria que providência imediata deveria ser tomada.
Então, logo que cheguei a Pombal, eu passei um rádio para o Chefe de Polícia. Passei o radiograma e veio a resposta dizendo que eu ou o Tenente José Costa transportasse o criminoso para Princesa: – “O senhor ou o Tenente Costa, a fim de evitar fuga do criminoso”.
Visita de Aproniano ao irmão na cadeia de Pombal
“O dia amanheceu com Chico na cadeia de Pombal. Aproniano veio com João Fernandes e conversaram os três
— Conte seu plano.
Aproniano começou:
— É o seguinte, Chico. Primeiro, me diga quantos dias vai passar preso aqui em Pombal.
— Não sei bem ainda. Muitos dias. Penso que mais de uma semana? Por quê?
Porque não pode ser. Você preso?! Por que o governo não fez como da outra vez? Você se entregou e não pisou na cadeia. Ficou na fazenda “Cajueiro” de seu amigo Tonho.
— Afinal, Aproniano, a que você quer chegar?
— Vou lhe ser sincero. Não estou achando limpa esta atitude do governo.
— Também não. Não vou dizer que gostei. Mandasse um soldado só, com um recado e eu me entregava. Mas prender …
— Isso! Estou gostando de ouvir. E por que você não fez como no Pau Ferrado, quando o vieram prender? Mandou bala …
João Fernandes fez um sinal. O guarda vinha passando.
Aproniano retomou:
— Mas desconfio do governo por outra coisa. Não acho que ele quer livrar você. Precisava essa decepção de prender você no meio de uma festa? Tendo dito que você podia ir a ela?
— Certamente porque só agora foi marcado o dia do júri de Princesa. Por isso agora vou brigar com o governo e perder a última ocasião de me livrar? De poder viver em minha casa, como gente? De criar meus filhos? Agora que já estou a caminho de Princesa, pra me livrar?
— Chico você confia demais nos outros. Isso aqui tem traição no meio. Deus permita que me engane. Mas tem.
Eu estava acertando com … – Novo sinal de João Fernandes. O guarda passava – … acertando com João Fernandes um plano: juntar uns 80 homens, arrombar esta cadeia e tirar você de dentro.
— Aproniano, você é maluco? Só sendo! Faltando dias pra me livrar de tudo e criar esse caso com o governo?
Além disso, vou lhe dizer uma coisa: já passei pela decepção de ser preso e só júri repara isso. Fugir não é para homem.
A sentinela amiudou os giros por ali, como se alguma desconfiança houvesse. Não puderam conversar mais. Despediram-se.
Foi a última vez que os três se encontraram.”
Fazenda Jacu, de Chico Pereira. Desse casarão partiu o bando de Lampião para o ataque a Sousa.
1a parte do artigo.
autor Zé Tavares