Por José Tavares

No livro “A Odisseia de José Américo de Almeida na Revolta de Princesa“, de autoria de José Tavares de Araújo Neto, o município de Patu, localizado no Rio Grande do Norte, é mencionado em diversos contextos relacionados à movimentação de tropas rebeldes lideradas pelo Coronel José Pereira. Naquela época (1930), o Estado do Rio Grande do Norte era governado por Juvenal Lamartine, que, além de pertencer ao mesmo grupo político, tinha parentesco com a família Dantas da Serra do Teixeira e era bastante próximo do deputado João Suassuna, casado com Rita de Cássia Dantas Vilar, sua parente.

Patu tornou-se símbolo de refúgio e artimanha, de neutralidade moldada à conveniência. Nos fios do telégrafo de Patu, Antônio Suassuna, ex-prefeito de Catolé do Rocha e refugiado, denunciava a perseguição política e a insegurança reinante na cidade que até pouco tempo havia governado. O sertão via-se dividido entre lealdades, receios e silêncios.

Naquela região limítrofe, o sertão paraibano ardia em tensões. No início de julho daquele ano, o coronel José Pereira mandou um grupo de homens armados com o objetivo de um acerto de contas, em represália ao fato de que, meses antes, as famílias Saldanha e Maia haviam enviado homens armados para combater os rebeldes de Princesa.

No município de Patu, cercado pelos serrotes e marcado pela poeira fina das estradas sertanejas, ergue-se a Fazenda Trincheiras, atualmente pertencente ao município de Messias Targino. Foi lá que os cabras do coronel José Pereira instalaram o seu acampamento estratégico, fora do alcance das forças legais da Paraíba. Após os ataques às fazendas-alvo, os rebeldes cruzavam as fronteiras e se homiziavam naquele recanto do território potiguar.

Do outro lado da fronteira, José Américo de Almeida, então Comandante das Forças Paraibanas, clamava por autorização para penetrar no território potiguar, com o objetivo de combater os “cangaceiros do coronel Zé Pereira”. Mas Juvenal Lamartine negou o pedido, sob a alegação de que isso poderia comprometer a tranquilidade de seu Estado. Entretanto, comprometeu-se a solucionar o problema, mas, em vez de tropas, enviou apenas o major Luiz Júlio, que, segundo ele, iria com carta branca para negociar o desarmamento do grupo.

Jornal do governo reage com sarcasmo

“A União”, jornal do governo da Paraíba, reagiu com sarcasmo à ação do governo potiguar, destilando refinada ironia ao fato daquele governante ter escalado apenas um oficial para “pegar 150 bandidos à unha”. E acrescentou: “Se todos os Estados possuíssem um major como esse, não existiriam mais grupos de cangaceiros”.

Quando enfim o emissário chegou a Patu, o vento já havia levado o bando. Rumores sussurravam que um irmão do próprio Juvenal indicara aos cangaceiros o caminho da fuga. Para justificar sua postura, o governo do Rio Grande do Norte — por meio do jornal “A República” — passou a classificar os cangaceiros como “perseguidos políticos”, o que foi interpretado pela Paraíba como um pretexto para a omissão.

No relatório oficial apresentado à Assembleia Legislativa, Juvenal Lamartine afirmou que o único episódio de perturbação ocorrido em seu Estado derivava da instabilidade paraibana e que o Rio Grande do Norte havia cumprido seu dever, mantendo a paz e abrigando indistintamente os exilados.

Entre becos e sombras de mandacarus, Patu guarda, na poeira de seus caminhos, os rastros de uma guerra ainda não inteiramente compreendida. E cada pedra da vila parece ecoar os gritos abafados de um sertão que ainda luta para ser compreendido.

José Tavares é pesquisador do cangaço e historiador

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