José Tavares de Araújo Neto

Em fevereiro de 1926, a Paraíba tornou-se palco de um dos episódios mais dramáticos da passagem da Coluna Prestes pelo Nordeste. Sob o comando do presidente João Suassuna, o estado organizou o “Batalhão Patriótico Epitácio Pessoa”, que deveria ser uma resistência feroz contra os rebeldes, marcada por estratégias militares audaciosas, mas que resultou na trágica chacina de Piancó.

A Estratégia de Defesa – Ante a possibilidade de invasão do Estado, João Suassuna e o tenente-coronel Elysio Sobreira, comandante da Força Pública (atual Polícia Militar), traçaram um plano triplo: deslocamento de tropas para a fronteira, especialmente em Belém (atual Uiraúna), ponto crítico de entrada dos revoltosos; emboscadas em regiões afastadas, como os boqueirões do sertão; e reforço das cidades-chave (Pombal, Patos, Piancó) com voluntários civis armados por líderes locais.

A defesa contou com 400 homens em Cajazeiras e Belém (atual Uiraúna), além de grupos miliares e civis organizados em cidade chaves como São João do Rio do Peixe, Pombal, Sousa, Patos e Princesa.

Trincheira de Pombal, coordenada pelos deputados dr. José Queiroga e coronel José Pereira, tornou-se símbolo da resistência, com barricadas erguidas pela população.

Ao tomar conhecimento da iminente aproximação dos rebeldes, dr. José Queiroga e o coronel José Pereira solicitaram reforço imediato do pelotão comandado pelo tenente José Guedes e pelo sargento Clementino Quelé, que estava em Princesa. Com isso, a defesa daquela cidade ficou a cargo dos civis liderados por Manuel Carlos Pereira Lima (irmão do coronel José Pereira) e Luiz do Triângulo.

Durante o deslocamento, ao chegar à altura do Boqueirão de Curema, onde hoje se situa o açude de Coremas, a força encontrou um pequeno grupo de rebeldes da Coluna Prestes e travou um breve confronto, resultando em uma baixa por parte da força paraibana. Em seguida, seguiram para Pombal sem mais incidentes.

Prisão do tenente Manuel Benício

Coluna Prestes em deslocamento pelo País

Em um episódio crucial, o tenente Manuel Benício do 2º Batalhão foi capturado quando transportava armas para Pombal. Às 8 horas de 9 de fevereiro, seu caminhão com 40 fuzis e 3.600 munições foi emboscado por tropas de João Alberto, na fazenda Alagoa de Dentro, localizada entre a cidade de Pombal e o povoado de Malta.

O intrépido sargento Quelé, a quem era confiada as missões mais difíceis da polícia militar paraibana, foi escalado para localizar o paradeiro do tenente Benício.

Os rebeldes incendiaram o veículo, se apossaram das armas e munições e levaram o tenente Manuel Benício como refém. Sua prisão mobilizou o capitão Irineu Rangel, que liderou um contra-ataque em Santa Gertrudes, forçando os rebeldes a recuarem para o povoado de Catingueira, tremo do município de Piancó.

Naquele mesmo dia, de Patos, o capitão Irineu Rangel encaminhou ao presidente João Suassuna telegrama informado a respeito do acontecido e das providências tomadas

“Patos, 9 – Tenente Benício foi atacado em Alagoa de Dentro, além de Malta, por grande grupo comandado por João Alberto. Travou-se tiroteio resultando desaparecimento do mesmo oficial e uma praça, e sargento Bossuet, sendo este preso hoje às 8 horas pelos rebeldes, e sabendo feridos uma praça e o chofer que apareceram, um no local do ataque, outro em Malta, onde acaba de chegar inferior acima já libertado. Não foi encontrado ainda tenente Benício nem a praça. Caminhão de condução foi incendiado conforme declarou sargento Clementino (Quelé) que, de minha ordem, foi ao local do conflito onde encontrou bornal de munição do tenente Benício.”

Benício foi libertado em 10 de fevereiro, quando a Coluna mudou seu rumo para Pernambuco.

Captura do major Nô Queiroga

Paralelamente, a Coluna capturou o fazendeiro Manoel Queiroga (major Nô Queiroga, irmão do líder político José Queiroga), usando-o como moeda de pressão para evitar emboscadas. Esses eventos demonstraram a guerra psicológica travada além dos combates diretos.

A prisão do fazendeiro Nô Queiroga impossibilitou as estratégias governamentais, resultando na anulação do êxito esperado. Como relatou o próprio Suassuna:

“A defesa do Estado foi organizada da seguinte forma: guarneci toda a zona do Rio do Peixe – Cajazeiras, Sousa, São João (do Rio do Peixe) e Belém -, obrigando os rebeldes a abandonar o itinerário inicial traçado em Luiz Gomes (RN), que os levaria diretamente a Pernambuco por Vila Bela (atual Serra Talhada).

Uma nova concentração de tropas em Pombal, sob o comando do coronel José Pereira e do dr. José Queiroga, foi articulada para reforçar a defesa coordenada pelo cel. Elysio Sobreira. Guerrilhas foram posicionadas em áreas estratégicas, como os boqueirões serranos que davam acesso ao vale do Piancó. Contudo, a captura do major Nô Queiroga (irmão de José Queiroga) na fazenda Olho D’Água, em Pombal, paralisou nossas ações. Hostilizar o inimigo significaria sacrificar nosso companheiro.

Nossas guerrilhas receberam ordens de recuar para Pombal, restando apenas uma emboscada em Princesa.”

O major Nô Queiroga libertado em  de fevereiro, quando a Coluna deixou o Boqueirão de Curema.

 Chacina de Piancó

O episódio mais sombrio ocorreu em 9 de fevereiro, quando um grupo de revoltosos estava de passagem pela cidade. Inadvertidamente, o piquete de policiais locais, liderado pelo pombalense sargento Manuel Arruda, abriu fogo contra os revolucionários, acertando justamente o grupo que vinha à frente conduzindo uma bandeira branca, matando o capitão Luiz Farias (Capitão Pretinho) e ferindo outros. Estrategicamente, o grupo rebelde se retirou, mas retornou com reforços do Destacamento Cordeiro de Farias e de Djalma Dutra.

Embora houvesse unanimidade em dizer que os primeiros tiros partiram da arma do sargento Manuel Arruda, ele sustentou até os últimos dias de sua vida que não foi ele quem atirou e que seu piquete apenas respondeu ao fogo do inimigo.

“Eu estava anotando a entrega dos armamentos quando os paisanos na calçada me alertaram:

– Ei, sargento, vem entrando um pessoal armado aqui.

Imediatamente, peguei meu fuzil e saí para enfrentar a situação. Foi então que vi a Coluna Prestes chegando, um grupo de cerca de catorze homens avançando rapidamente.

Dois oficiais a cavalo, bem vestidos com botas, chapéu de pele de lebre e paletó de casimira, lideravam o grupo a trote. Os animais avançavam a trote e a linha de fogo estava acelerada.

O tenente Marinho gritou da janela:

– Alto! Alto!

Mas eles atiraram. Os cavaleiros dispararam corrupachês, que explodem dentro da arma e no ar. Nós respondemos ao fogo e os dois oficiais caíram, junto com os animais.

Em seguida, a Coluna sitiou a cidade em apenas cinco minutos. Era início de inverno e havia chovido muito na região, então o rio (Piancó) estava cheio. Quando precisei fugir, mergulhei no rio e nadei para escapar, desviando-me dos obstáculos. Já os que tentaram correr fora do rio foram todos capturados.

A defesa, constituída por militares e civis liderados pelo chefe político local e deputado estadual, padre Aristides Ferreira, resistiu por horas até a munição acabar. Alguns fugiram, a exemplo do sargento Manuel Arruda e o tenente Antônio Benicio (irmão de Manuel Benício).

Os rebeldes, enfurecidos pela morte do capitão Pretinho, invadiram a casa paroquial com granadas de gás e renderam os 25 defensores, que foram levados a um barreiro e degolados, destes apenas dois soldados, os demais civis, incluindo os pombalenses padre Aristides e seu irmão Antônio Ferreira da Cruz.

Após da tragédia, a Coluna a deixar a Paraíba rumo a Pernambuco em 10 de fevereiro. O tenente-coronel Elysio Sobreira chegou a Piancó com reforços do Ceará, mas a reparação veio tarde: o sacrifício dos paraibanos, especialmente em Piancó.

(Fontes: Mensagem do presidente João Suassuna (1926), Arquivos da PMPB e registros do jornal A União, entrevista do Tenente Manuel Arruda).

José Tavares é historiador e pesquisador do cangaço

Imagens ilustrativas do Google

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