José Tavares de Araújo Neto
Luiz José de Góes nasceu em Alagoas, no final do século XIX, em uma família de classe média que tinha como figura de destaque o tio-avô Inocêncio Marques de Araújo Góes, o Barão de Araújo Góes, senador do Império. Estudou o ensino secundário em sua terra natal e formou-se em Medicina em 1919, na Escola de Medicina da Bahia.
De espírito inquieto e vida errante, nunca quis exercer a profissão em sua província, citando a máxima “santo de casa não faz milagres”. Após visitar os pais em Maceió, partiu para o Rio de Janeiro, de onde iniciou uma peregrinação por diversos estados. Estabeleceu-se por mais tempo em Pernambuco, onde atuou como clínico geral e professor da Faculdade de Medicina do Recife. Não bebia, não fumava, não jogava nem dançava, alegando não querer “aspirar ares impuros dos salões”. Baixo, gorducho e de pele branca avermelhada, tinha postura impecável e gostava de trajar ternos bem cortados e coletes justos para disfarçar a barriga.
Nas eleições de 1930, candidatou-se a deputado federal como independente, apoiando a chapa da Aliança Liberal (Getúlio Vargas e João Pessoa), mas não se elegeu. Admirador fervoroso de João Pessoa, abandonou suas atividades médicas para se voluntariar na Revolta de Princesa, atuando como intermediário na compra e transporte de armas e munições para o governo paraibano. O jornalista carioca Víctor do Espírito Santo relatou ter ajudado Góes a transportar munições do Rio de Janeiro, burlando a vigilância do Exército e da polícia pernambucana.
Quando eclodiu a Revolução de 1930, Góes integrou-se às forças comandadas por Juarez Távora, sendo nomeado “coronel médico” e liderando uma coluna revolucionária. Poucos dias depois do início do movimento, em 6 de outubro, tropas invadiram a Casa de Detenção do Recife, onde estavam presos João Dantas e seu cunhado, Augusto Moreira Caldas, acusados do assassinato de João Pessoa.
Suicídio como versão oficial
A versão oficial dizia que os dois se suicidaram com golpes de bisturi, mas testemunhos posteriores acusaram Luiz de Góes de ter participado ativamente de suas mortes. O advogado Sandoval Caju, no livro O Conversador, narrou que Góes, vestido de branco e acompanhado de dois auxiliares, teria imobilizado as vítimas com barbante e cortado suas gargantas com um bisturi. O historiador Joaquim Inojosa afirmou que os ferimentos só poderiam ter sido feitos por um médico e apontou Góes como o único presente. Outros nomes também foram citados, mas a suspeita principal recaiu sobre ele, que teria se orgulhado de “sangrar o assassino de João Pessoa”.
João Dantas: assassinado na cadeia
O tenente Manuel Arruda revelou em entrevista que ouviu diretamente do tenente Ascendino Feitosa, comandante da invasão à Casa de Detenção em Recife, que o médico Luiz de Góes participou da morte de João Dantas e seu cunhado Augusto Caldas. Segundo Arruda, foi João da Mancha quem desferiu os golpes fatais com um bisturi, mas agiu sob orientação de Luiz de Góes, que indicou o local exato do corte na carótida. A execução foi violenta: João Dantas resistiu, recebendo um golpe na sobrancelha, e Augusto Caldas teve seu pedido de clemência ignorado.
Meses depois, já consagrado no meio revolucionário e recebido por Getúlio Vargas no Catete, Góes protagonizou novo episódio violento. Em 3 de dezembro de 1930, a bordo do vapor Santarém, matou a tiros o sargento Francisco Mello Castro, do 22º Batalhão de Caçadores da Paraíba, alegando ter reagido a um desacato. Foi preso, protegido de um linchamento por Juracy Magalhães, e absolvido pelo Conselho de Justiça Militar em 1932
Fama de autoritário até no meio acadêmico
Sua fama de autoritário se estendeu ao ambiente acadêmico. Em 1934, estudantes da Faculdade de Medicina do Recife denunciaram que um colega fora agredido por Góes ao anunciar uma greve estudantil. Ele justificou a ação como manutenção da disciplina e recebeu apoio da Congregação e do Conselho Técnico.
o longo da vida, Góes cultivou uma reputação de médico temido. Segundo Sandoval Caju, era “a encarnação do Dr. Satã”, incapaz de citar casos de pacientes salvos ou curados em mais de 50 anos de carreira. Teria vocação mais para carrasco que para médico, colecionando episódios de violência e arrogância.
Viveu ainda no Rio de Janeiro, São Paulo, Belém e Manaus, mas retornou ao Recife, onde passou seus últimos 20 anos. Morreu aos 88 anos, em 1980, no exercício da profissão, com o consultório frequentemente vazio, mas carregando até o fim as polêmicas e o estigma de sua participação nas páginas mais sombrias da Revolução de 1930.
José Tavares é escritor e pesquisador do cangaço
Imagem: Luiz de Góes, recorte de jornais antigos. Google