A escrita de Rubens Nóbrega não surpreende – encanta. Assim no jornalismo como na literatura o estilo refinado do jornalista crítico, editor criterioso e agora mergulhado mais na literatura que em redações de jornais que não existem mais – nem uma coisa nem outra – o livro “Baixa do Mel”, se traduz num treiler de romance que transcende a aldeia com verossimilhanças de conflitos íntimos e, por conseguinte, universais.
Meus caros, ao deitar na rede para o início da leitura de “Baixa do Mel”, me senti sacudido por uma narrativa pujante que começa com um afogamento angustiante de um menino, a avidez de um homem nadando para salvar o curumim enfrentando além da traiçoeira água de um açude profundo com braçadas viris, um racismo inesperado que surge praticamente do nada.
Uma tragédia embalada no tal racismo estrutural do interior do Brasil, que ao final do livro se transforma numa obsessão sexual daquela personagem que no início transbordava de ódio de classe, nojo e aversão a negros, ainda que um negro pudesse ser o salvador da criança amada; ressentimento transformado no final em paixão secreta pelo objeto do desejo, nada menos que por um “negão” que desperta fetiches inconfessos.
Em “Baixa do Mel” Rubens renomeia seus fantasmas na tentativa de espantá-los ou deixa-los no passado, recupera a afetividade perdida num romance ambientado entre João Pessoa e alguns lugares satélites que marcaram sua trajetória pessoal.
O autor burila não só palavras, mas também a memória coletiva para acontecimentos que em grande ou menor grau fixaram a vida paraibana.
O rompimento da barragem de “Baixa do Mel” faz lembrar a tragédia do arrombamento de Camará, resultante da incúria administrativa que reinava no governo de turno de 2004; a devastação do que restou da Mata Atlântica em Santa Rita como consequência da crise do Petróleo dos anos 70 e outros fatos.
Tudo isso embalado uma história de amor.
A relação afetuosa familiar traduzida no tratamento no diminutivo das personagens mexe com corações e mentes no capítulo “Cicinha, Cadê Duinho”?.
Indaga o autor ao abrir o segundo capítulo, digamos assim, da sua narrativa e só o leitor familiarizado com essa forma de tratamento pessoal, entenderá. Tudo é tratado no diminutivo que acredito ser esse um traço da brasilidade nas relações interpessoal.
Na escrita descritiva Rubens não se avexa para situar o leitor num ambiente comum a toda família grande com cenas comoventes. Após descrever demoradamente a fervura do leito do café da manhã em família o autor fecha a cena com “no final, restaram na menina um bigodinho de espuma e uma nesguinha de nata no canto da boca”.
As personagens de Rubens Nóbrega carregam consigo arrependimento e castigo, amor verdadeiro, rejeição, racismo, permissividade coletiva com a corrupção, a homofobia que se enraizou numa sociedade que se moderniza, mas não se desenvolve como civilização.
No teatro, quando começamos a leitura de mesa de um romance, texto dramatúrgico ou roteiros, tomamos como regra a escolha de um verbo de ação (que chamamos de temão) para compreensão do texto a ser transformado em espetáculo.
Particularmente gosto como o autor prepara seus leitores com capítulos titulados assim:
“Por que faz isso comigo?” ”Faça o que quiser de mim”, “Corra e avise os homens, viu?”, “Vão ver o que é bom pra tosse”. Enunciados que traduzem o que vem a seguir.
Tudo familiariza o leitor para uma narrativa poderosa em que Rubens expõe o universo que viveu, viu, reteve e revela num treiler de romance, até porque com cenas em contraponto num texto primoroso
Para os possíveis leitores, recomendo não só como leitura, mas como forma de agradar amigos e familiares nesse Natal ou festas de Fim de Ano que prenunciam um futuro de possível redenção do país, fortalecimento no que há de bom nas pessoas em meio a uma sociedade brutal, que perdeu empatia, exasperada pelo fascismo que busca seu triunfo usando a demência, a mentira e o terror como armas.
Nada supera uma história bem contada.
Enfim um bom livro; desses para ler, guardar e revisitá-lo.
Editora Ideia
Onde encontrar: Livraria do Luiz