No estudo sobre o fenômeno Cangaço, aprendemos que ele tem várias camadas onde fatos e personagens assumem dimensões heroicas – no sentido grego da palavra – de profundidade quase inesgotável para pesquisa, principalmente personagens que transcendem conceitos.
Cangaceiro de muito talento para comandar e combater, Luiz Pereira Nunes ou Luiz Pereira de Souza, mas que também atendia pelos nomes de Luiz da Cacimba ou Luiz do Triângulo, fez sua trajetória passando pelo cangaço para depois se tornar cabecilha de volante e ganhar protagonismo ao comandar mais de 500 homens durante a Revolta de Princesa, em 1930.
Quando Virgulino Ferreira ingressou no bando de Sinhô Pereira com os irmãos Antônio e Livino Ferreira, Sinhô tinha sob seu comando outros parentes: Luiz do Triângulo e Luiz Padre, que o acompanharam durante a jornada de abandono do cangaço, seguindo caminhos distintos.
Em Associação ao bando de Sinhô Pereira, Luiz do Triângulo combateu ao lado de Virgulino durante as jornadas de razias e assassinatos entre 1919 e 1922, isso porque comandava seu próprio bando que agia na região do Pajeú.
No início, em 1919, sob o comando de Sinhô Pereira, combateu a família Carvalho e participou de razias a várias fazendas na região de Triunfo(PE).
Em 1922, quando Sinhô Pereira deixou o cangaço e ungiu Virgulino Ferreira como chefe de bando, Luiz do Triângulo o acompanhou no primeiro ataque, realizado para atender a um pedido de Sinhô Pereira, a casa do coronel Luiz Gonzaga Lopez Ferraz, em São José do Belmonte.
Luiz do Triângulo, líder militar
Este famoso ataque resultou no assassinato do coronel Luiz Gonzaga e na morte de cinco cangaceiros, entre eles, Baliza.
As ações em coalização com o bando de Virgulino foram esporádicas nesse período pelo fato de Luiz do Triângulo manter diferenças com o famoso cangaceiro Sabino Goré Ou Sabino das Abóboras.
O mundo do cangaço era pequeno demais para acomodar no mesmo bando Sabino Goré, ou das Abóboras e Luiz do Triângulo. Os dois não se toleravam e, reza a lenda, quando Sabino se associava com Lampião para algum ataque, Luiz do Triângulo não comparecia e a recíproca era verdadeira.
Nova vida e mais uma guerra pela frente
Luiz do Triângulo abandonou o cangaço em 1924, deixando para trás ataques e razias em associação com Lampião, como o consentimento do próprio Virgulino.
– Afinal, Luiz do Triângulo era sobrinho de Sinhô Pereira e estava seguindo o mesmo exemplo de deixar o cangaço; após fazer seu “pé-de-meia”, era a oportunidade de abandonar o cangaço.
Assim Luiz do Triângulo atravessou a divisa entre Pernambuco e Paraíba, para buscar abrigo e proteção em Princesa Isabel(PE), domínios do coronel Zé Pereira, que por esse tempo, era coiteiro, amigo e sócio de Virgulino Ferreira, segundo relatos.
Outros cangaceiros acompanharam Luiz do Triângulo, quando este foi trabalhar para o coronel José Pereira, entre eles o cangaceiro de nome Chiquinho, que era seu lugar-tenente.
Após tornar-se inimigo de Lampião, o coronel Zé Pereira assumiu o comando do combate ao cangaço na região de Princesa, divisa com Triunfo.
Convocado pelo cel. Zé Pereira, Luiz do Triângulo ingressou na Polícia Militar da Paraíba como 1º sargento comissionado e passou a comandar uma volante paraibana, tal qual fizera Clementino Quelé, outro ex-cangaceiro de Lampião, que tornara-se protegido de Zé Pereira.
Virgulino Ferreira não digeriu muito bem essa nova realidade na Paraíba, em que ex-amigos, sócios e ex-cangaceiros mudaram de lado, aliando-se à força policial no combate ao cangaço.
Logo no início de agosto de 1924, Lampião começou a dar o troco aos seus novos inimigos.
Atacou e incendiou uma fazenda do coronel Zé Pereira num lugar de nome Sozinho, região da “baixa verde”, entre Princesa e Triunfo.
Nesse combate Virgulino Ferreira, feriu a tiros de fuzil, capturou e sangrou Chiquito, cunhado de Luiz do Triângulo, e que também fora seu ex-cangaceiro.
Em outros entreveros, Lampião matou irmãos de Clementino Quelé, além de incendiar suas propriedades.
Revolta de 1930 e o protagonismo de Luiz do Triângulo
Em fevereiro de 1930, quando estourou a Revolta de Princesa, comandada pelo coronel José Pereira contra o governo do presidente João Pessoa, o caudilho de Princesa não teve dúvidas: recorreu a Luiz do Triângulo, seu protegido e respeitado por todos na região como “Senhor da Guerra”.
De fato, Luiz do Triângulo não faltou com seus compromissos com José Pereira que organizou e armou um exército de 1.500 homens para combater o governo de João Pessoa.
A Luiz do Triângulo foi entregue o comando de mais de 500 homens, tendo recebido na ocasião a patente de “capitão” das forças revoltosas de Princesa.
Se destacou no comando dos revoltosos pelo planejamento de emboscadas e êxito nos combates, aplicando sucessivas derrotas às forças militares do governo.
No município de Água Branca, Luiz do Triângulo obteve sua maior vitória na Guerra de Princesa, ao armar a maior das emboscadas que resultou na morte de mais de 100 soldados, além da destruição de dez caminhões que transportavam munições e armas.
Inspiração para personagem de Ariano Suassuna
Coube ao escritor paraibano Ariano Suassuna reservar um lugar de destaque para Luiz do Triângulo na literatura.
Luiz: um grande personagem real
No “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”(1971) Ariano inseriu Luiz do Triângulo como personagem de sua famosa obra quando narra as desventuras do Rapaz do Cavalo Branco e a sua chegada à vila de Taperoá.
“Como se recorda, o Condestável do Reino era Luís Pereira de Sousa, ou Luís do O Triângulo, o mesmo que comandava incógnito, as tropas do rapaz do cavalo branco. Soube que ele, sendo descendente do Comandante Manuel Pereira e do Barão do Pajeú, era o dono atual das terras onde ficavam as torres de pedra do nosso Castelo, sagrado, soterrado e encantado. Só podia ter sido outro desígnio da Providência que, exatamente a Serra do Reino, tivesse ido cair na mão daquele homem, atualmente, amigo e aliado nosso. Resolvi imediatamente ir à Serra, para conhecer meu Castelo. Eu me calara a respeito da Pedra do Reino: apesar de meu amigo, Luís do Triângulo ser um Pereira de pura raça, e bem podia resolver liquidar esta vergôntea da Raça real dos Quadernas. Aproximava-se 1935, ano importantíssimo, porque marcava o início daquilo que inúmeras profecias sertanejas chamavam “0 Século do Reino Encantado”.
Assim Luiz do Triângulo tornou-se personagem de um dos principais romances da literatura brasileira
A Revolta de Princesa durou de fevereiro a julho de 1930, quando coronel José Pereira capitulou acarretando em perseguições e assassinatos de revoltosos e seus familiares.
Luiz do Triângulo não esperou tempo ruim e por um tempo desapareceu no oco do mundo sem deixar rastro. Relatos orais mostram esse “Senhor da Guerra” em fuga com a família para o Ceará; em seguida retorno para os arredores de Malta na Paraíba e, depois Princesa Isabel, quando o esquecimento aplacava ressentimentos que a Guerra de Princesa causara.
Outras fontes dão conta que, quando a “maré baixou”, Luiz do Triângulo reapareceu em São José de Princesa para viver confinado em sua propriedade onde morreu de câncer e idoso.
Fonte: Cangaceiros de Lampião de A a Z, de Bismarck Martins de Oliveira.
Com relatos de José Tavares, escritor e pesquisador . Valdir José Nogueira de Moura, Historiador e pesquisador do Cangaço.