Um dos pontos altos do Cariri Cangaço, em Princesa Isabel, Patos de Irerê, nesta sexta-feira, é a palestra itinerante do historiador José Tavares sobre o “O Combate da fazenda Patos”, um dos episódios marcantes da Revolta de Princesa(1930).
Historiadores e pesquisadores presentes vão percorrer pontos importantes do distrito de Patos de Irerê, que hoje pertence ao município de São José de Princesa. O roterio abrange a capela de São Sebastião, a Casa de Marcolino Diniz e o Casarão do Cel. Floro Diniz, palcos dos combates.
O blog publica a seguir, artigo do historiador José Tavares sobre os acontecimentos que antecederam a Revolução de 1930.
Por José Tavares de Araújo Neto
Em março de 1930, após a deflagração da luta armada, o presidente João Pessoa criou o Batalhão Provisório com o objetivo de desbaratar o motim comandado pelo coronel José Pereira. O plano era retomar a cidade de Princesa, Quartel-Geral do alto Comando dos Revoltosos. Para pôr em prática a ação militar, o Batalhão Provisório dividiu seu efetivo em três Colunas: Coluna Leste, Coluna Norte e Coluna Oeste. O flanco Sul ficou desguarnecido por conta dos limites com o Estado de Pernambuco.
A Coluna Oeste, comandada pelo Capitão Ascendino Feitosa, encontrava-se acantonada nos arredores do povoado de Alagoa Nova, atual cidade de Manaíra. Integravam esta Coluna, os tenentes Manuel Arruda e Raimundo Nonato e alguns sargentos, entre os quais o impetuoso Sargento Clementino Quelé, que entre 1924 e 1928, notabilizou-se como um dos mais tenazes perseguidores de Lampião.
Pesquisadores José Tavares e Luiz Ferraz
Por sugestão do sargento Quelé, profundo conhecedor do lugar, o Capitão Ascendino destacou um pelotão constituído de cerca de cinquenta praças para atacar o povoado de Patos, que estava completamente desguarnecido. Sabia-se que todos os homens do lugar se encontravam a serviço do coronel José Pereira, estrategicamente distribuídos no campo de luta para fazerem frente às tropas paraibanas que pretendiam invadir Princesa.
PMs (volantes) no destaque do Cariri Cangaço
No fim da tarde do dia 22 de março (sábado), a força policial, entregue ao comando do tenente Raimundo e dos sargentos Clementino Quelé e Pedro Gonzaga, invadiu o povoado de Patos com desnecessário estardalhaço. As residências e poucas casas comerciais foram a arrombadas a cabo de rifle e violentas pesadas. Após saqueadas, os imóveis pertencentes a Marcolino Diniz, Sinhô Salviano e Joaquim Antas, pessoas mais destemidas do lugar, foram explodidas com uso de dinamites.
Mulheres e crianças foram feitas prisioneiras e humilhantemente escoltadas até a casa grande da fazenda do major Floro Diniz, a cerca de 400 metros da vila. Entre as prisioneiras encontravam-se a própria dona da casa Maria Dulce, esposa do major Floro, e sua enteada Maria Florentina (Xandu), esposa de Marcolino Diniz e as famílias de Luiz do Triângulo, Sinhô Salviano e Manoel Lopes (Ronco Grosso).
Guerra de emboscadas travadas entre a Forças do governo e revoltosos
A residência do major Floro foi transformada na sede do quartel improvisado. Os quartos mais confortáveis ficaram para os mais graduados, o tenente e os dois sargentos. As casas dos moradores foram transformadas em guaritas e alojamento. As prisioneiras ficaram nos quartos de visitas, um quarto especial para Xandu, isolada das demais. O sargento Quelé fazia questão de impor subserviência à grã-fina filha do major Floro e esposa do poderoso Marcolino Diniz, seu rancoroso inimigo desde velhas datas.
Casa de Marcolino, teve a frente dinamitada
Casarão de Patos de Irerê; local de combates
A tropa demonstrava total controle da situação. Passeavam com desenvoltura pela velha fábrica de vinho, agora desativada; as casas dos moradores; o engenho de moagem de cana-de-açúcar e fabrico de rapaduras; uma majestosa chaminé; a casa de farinha; um espaçoso curral. O major Floro Diniz foi o maior empreendedor da região. Sua fazenda foi a primeira localidade do sertão da Paraíba a dispor de energia elétrica.
A fazenda Patos era um lugar seguro, uma fortaleza inexpugnável. Descartava-se qualquer possibilidade de ataque do inimigo, em respeito a preservação da vida e integridade física das prisioneiras. Não havia com que se preocupar. O tenente Manoel Arruda, que também integrava a Coluna de Ascendino Feitosa, revelou mais tarde que neste dia, véspera do ataque, o tenente Nonato o havia enviado um bilhete dizendo que estava num céu aberto, tomando água de coco, chupando laranja doce e comendo carneiro gordo.
Enquanto a tropa do tenente Nonato deslumbrava-se com as delícias paradisíacas da fazenda Patos, o domingo, 23, foi de intensa movimentação no alto comando de Princesa, que iniciou a mobilização no dia anterior, logo que tomou conhecimento das ocorrências de Patos. Nos arredores do povoado, os revoltosos capturaram o soldado Zeferino Ferreira que conduzia um bilhete de Quelé sugerindo ao seu superior que as mulheres aprisionadas deveriam ser utilizadas como escudos humanos durante o ataque a Princesa. Marcolino Diniz disse que recusava qualquer proposta e, caso Xandu fosse trucidada, sua morte seria vantajosamente vingada.
A manhã chuvosa da segunda-feira, 24, resquício da intensa pluviosidade registrada a partir do final da noite. Em torno das oito horas, após uma inesperada rajada de tiros, os militares se deram conta de que estavam sob cerrado fogo do inimigo. Apesar da chuva, o tiroteio permaneceu intenso.
Apesar de relativamente bem abrigados e fartamente municiados, os militares foram subitamente abalados por uma surpreendente constatação: grande parte da munição estava apresentando falha, provocando o “engasgamento”, designação dada ao fato de não haver a disparo quando do acionamento do gatilho da arma. Os policiais caíram em completo desespero, buscando a todo custo uma forma de furar o cerco, muito deles alvo fácil dos atacantes.
Pesquisadores no evento de Princesa
O experiente sargento Quelé estrategicamente acendeu uma dinamite, arremessando-a no terreiro e empreendendo fuga pela parte traseira, porém, antes jogou uma segunda dinamite em uma dependência vizinha a que se encontrava a esposa de Marcolino Diniz. Felizmente a dinamite não explodiu, por conta da alta umidade do pavio.
A batalha do casarão foi a primeira das inúmeras vitórias que os rebeldes do coronel José Pereira impuseram às forças do presidente João Pessoa. Entre os combatentes destacam Marcolino Diniz, Luiz do Triângulo, Chocho, Moreno, Ronco Grosso, “Caixa de Fósforo” e Augusto Antas e Quintino Pereira, este último, primo e cunhado de Luiz do Triangulo, foi umas das vítimas fatais do sangrento combate.
Escorraçada, a Policia Militar da Paraíba registrou o maior número de baixas, entre mortos, feridos e aprisionados. Também foi verificada várias deserções, sendo a cabo João Paulino a mais emblemática, face à importância que ele viria a desempenhar no “Exército Libertador” do coronel José Pereira.
Indagado porque o restante da Coluna do Capitão Ascendino Feitosa não foi dar retaguarda a tenente Nonato, o tenente Manuel Arruda assim respondeu:
“Neste dia do ataque, chovia e trovejava. Percebemos que estava havendo tiroteio em procura de Patos. Formos dar retaguarda. Quando chegamos já era tarde. Patos fica entre a serra de Triunfo e a serra do Pau Ferrado. A gente estava em cima da serra do Pau Ferrado, avistando todo o pessoal lá em baixo. A força de Nonato já havia saído em debandada. Os rebeldes tinham uns trezentos a quatrocentos homens, não podíamos e nem adiantava atacar. Então regressamos.”
Patos de Irerê: cidadela dos revoltosos de 1930
Xandu afirmou que durante o seu aprisionamento o tenente Raimundo Nonato agiu como um subalterno do Sargento Clementino Quelé. Não fez valer a sua autoridade hierárquica:
“O tenente Nonato era um joguete nas mãos de Clementino. O sargento era o verdadeiro comandante. O plano de prender-nos para evitar o ataque não surtiu o efeito desejado, pois a força foi atacada por Marcolino à frente de trezentos homens”.