Foi no final do mês setembro e corria o ano da graça de 1922, na Fazenda Pedra, arredores de Patos de Irerê, povoado pertencente hoje a São José de Princesa(PB), que Virgulino Ferreira da Silva Lampião, tornou-se de fato o sucessor de Sinhô Pereira no comando de um seleto e arrojado bando de cangaceiros; iniciando ali seu longevo “reinado”  num evento, inclusive com direito a festa e com presenças de coiteiros poderosos e tendo o prefeito de Triunfo(PE) e o juiz de direito de Princesa Isabel como convivas.

Também foi lá, em Patos de Irerê, enquanto pipocavam os fogos em homenagem a São João, que o Cariri Cangaço reuniu um seleto grupo de pesquisadores e historiadores para debater o contexto histórico e político de outro evento: A Revolta de Princesa.  Mas tornou-se impossível visitar Patos de Irerê e não percorrer casarões preservados ou  em ruínas e fazendas ainda produtivas de cana e café, que além de palco de combates durante a Revolta, também foi berço da aurora do cangaço de Virgulino Ferreira.

Coito de cagaceiros na Fazenda Pedra. Local da foto

O Blog reproduz a seguir, observações do pesquisador Luiz Ferraz, que percorreu trilhas no serrote do Pau Ferrado, visitou a casa da fazenda Pedra, cenário da famosa foto do bando inicial de Lampião em 1922, feita por Genésio Gonçalves de Lima; além de outros lugares de memória como a casa onde residiu  Severiano Diniz, médico “particular” que cuidou dos ferimentos sofridos por Virgulino, devolvendo-lhe praticamente à vida.

Luiz Ferraz e seu relato para Cariri Cangaço

 

Segundo o historiador Frederico Pernambucano de Mello, “o bando de Lampião teve início com dois irmãos a ladeá-lo (Antônio Ferreir e Levino) e mais: Antônio Rosa, o Toinho do gelo, Joaquim, o Coqueiro; Plínio; Bem-Te-Vi; Patrício Raimundo Agostinho, João de Genoveva; Pedrão; Zé Dedé, o Baliza; José Melão; Laurindo; João e Antônio Mariano.

 Genésio de Lima e seu click histórico

As fotos feitas por Genésio de Lima tornaram-se icônicas, pois seu click captou imagens dos principais bandoleiros rurais egressos das questões entre as famílias Carvalho e Pereira; da região do Pajeú pernambucano e de Milagres(CE), reduto do major José Inácio do Barro e dos arredores de Triunfo(PE) e Princesa Isabel(PB). A tal foto foi feita pouco tempo depois de Virgulino ter visitado Água Branca apenas para matar Manoel Cypriano de Souza, um dos implicados na morte do seu pai, com três tiros no peito.

Genésio: fotógrafo no lugar certo na hora certa

A tal foto do bando embute até hoje um mistério não revelado: os cangaceiros que aparecem no centro da foto jamais foram identificados. Quem seriam? Morreram em combate? Fizeram “pé-de-meia” no banditismo rural e se escafederam no oco do mundo?

Mas o que danado fazia Genésio de Lima com sua máquina fotográfica num coito seguro de cangaceiros?

Genésio era cunhado de Laurindo Diniz (à época, prefeito eleito de Triunfo), dono da Fazenda Pedra. Tal fazenda, hoje produtora de cana e de café, era um coito seguro de cangaceiros do sertão do Pajeú. Abrigo seguro para Sinhô Pereira, Luiz Padre, Luiz do Triângulo e Sabino das Abóboras. Supõe-se que alguns desses estavam na Fazenda Pedra, mas não apareceram na icônica foto. Uma pena, Genésio ficou devendo essa.

Foto histórica da 1a formação do bando de Lampião

01 – Antônio Ferreira vulgo Esperança (Irmão de Lampião).

02 – Virgolino Ferreira da Silva vulgo Lampião.

03 – Antônio Rosa vulgo Antônio do Gelo.

04 – Tiburtino Inácio de Souza vulgo Gavião (Primeiro).

05 – José Terto Pereira Brasil ou José Pereira Terto ou ainda Joaquim Araújo da Silva (Nome adotado pós-cangaço) Cajueiro (Primeiro).

06 – José de Souza Ferraz vulgo Baliza.

07 – Antônio Saturnino.

08 – João de Souza Ferraz vulgo Criança I.

09 – Desconhecido.

10 – Desconhecido.

11 – Antônio Augusto Feitosa (Antônio Bagaço) vulgo Meia-Noite (Primeiro).

12 – Chá Preto.

13 – Nezinho Leogivildo.

14 – Salú Leogivildo.

15 – Zéca Leogivildo.

16 – Graveto.

17 – Livino Ferreira da Silva vulgo Vassoura (Irmão de Lampião).

Dr. Severiano reabilitou Lampião

No seu périplo pelos arredores de São José de Princesa, o pesquisador Luiz Ferraz também visitou e fotografou a casa onde nasceu o Dr. Severiano Diniz, o esculápio (como se dizia na época) que deu sobrevida a Virgulino Ferreira, alvejado em um tiroteio ocorrido, segundo alguns historiadores, na Serra do Catolé, em São José do Belmonte, em 1924, num reduto chamado Lagoa do Vieira, a pouca distância das icônicas torres gêmeas da Pedra do Reino, consagradas pelo livro “Romance da Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna.

Dr. Severiano, o médico que salvou Lampião

A história do doutor Severiano não se resume ao fato de tratar da saúde de Virgulino Ferreira. Sua trajetória guarda lances dignos de um romance repleto do fenômeno da endogamia (casamentos entre primos), tão comum no Brasil Rural dos anos 20/30.

Em Recife, dois primos estudavam juntos: Marcolino e Severiano Diniz. O acadêmico de Medicina Severiano estava apaixonado por uma prima: Alexandrina Diniz (Xanduzinha), que se tornaria famosa em uma canção de Luiz Gonzaga e pelo papel que desempenhou na Revolta de Princesa.

Casa onde nasceu o doutro Severiano Diniz

Na boa-fé dos homens que se apaixonam, Severiano pediu ao primo Marcolino para ser portador de uma carta de amor para a amada prima. A caminho do encontro com Alexandrina, que também era sua prima, Marcolino abriu a correspondência; rasgou em mil pedaços, declarou amor eterno e casou com Alexandrina Diniz.

Mas essa história de amor a três não terminou em tragédia. Severiano tornou-se médico; Marcolino não deu pra nada, voltou para o interior tornando-se coiteiro poderoso de Lampião. Foi o próprio Marcolino quem despachou o lendário cangaceiro Sabino Gomes (seu meio-irmão) para resgatar Lampião moribundo na Serra do Catolé e quem escalou o primo Severiano para tratar dos ferimentos de Lampião.

Serrote de Pedra em meio à plantação de cana e café

Tudo isso ocorria entre Patos de Irerê e Triunfo nos anos 20, a aurora do “reinado” de Lampião; relatos inesgotáveis do universo habitado por coronéis, políticos, cangaceiros, juízes, médicos, coiteiros e volantes.

Fontes: Frederico Pernambucano de Mello, Luiz Ferraz, José Tavares

Imagens de domínio público e fotos e vídeo de Luiz Ferraz.

 

 

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