Estudar o Cangaço é percorrer distâncias. O Virgulino Ferreira da Silva Lampião e outros cangaceiros percorreram muitas léguas por sete estados nordestinos; em cada cidade, antes vilarejos, sítios, coitos, serras e serrotes, rios e riachos, a estrada a percorrer é longa para acabar sempre em lugares de memória, mormente cemitérios.

Aprende-se muito quem acompanha o Cariri Cangaço (evento que reúne pesquisadores e historiados da história nordestina) possibilita percorrer léguas de distâncias, de um lugar de memória a outro – e isso tem acontecido comigo, que depois de aposentado virei andarilho circunstancial.

Base de encontro de cangaceiro em Felipe Guerra

Entre 9 e 11 de junho o Cariri Cangaço, em parceria com a Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, promoveu um fórum, em Mossoró-RN.

Museu: ausência de imagens de cangaceiros que atacaram Mossoró e dos homens da resistência

Nesse período a cidade resgata de modo festivo, o ataque dos bandos de cangaceiros liderados por Massilon Leite, Sabino Gomes e Virgulino Ferreira, em 1927.

Incrível como o cangaço, analisado do ponto de vista sociológico e cultural, dá esteio para a construção da identidade de um povo e sua região. Em Mossoró forneceu elementos para fortalecer a autoestima da comuna, construindo uma narrativa de resistência.

Ainda que a cidade respire modernidade e prosperidade, pois é  produtora de petróleo, não há Mossoró sem Virgulino e os coronéis. Hoje uma metrópole que chama a atenção pelas cercas elétricas nos condomínios, residências e lojas comerciais.

Não há Mossoró sem José Leite de Santana, o Jararaca, ainda que a urbe tente apagar seu protagonismo.

Chuva de Balas – musical do Cangaço e da resistência

Grande elenco em “Chuva de Balas”

Devido a uma alegada reforma, não foi possível percorrer as dependências da antiga cadeia pública, nem a casa onde morou o prefeito Rodolfo Fernandes, herói da resistência, mas deu para contemplar a fachada da Igreja de São Vicente com sua imponente de torre de onde choveu balas de fuzis e rifles.

E foi em frente a esse templo religioso que os artistas locais se apresentaram. Destaque para o musical “Uma chuva de Balas no País de Mossoró”, direção de Romero Oliveira e coreografia de Roberta Schumara.

Espetáculo bem ensaiado, com bons atores, criativo figurino e bela coreografia.

Antiga Cadeia Pública fechada para reforma

Relatam que a reforma do Museu de Mossoró, antiga Cadeia pública, segue interminável. Daí a impossibilidade de percorrer seu interior, local de encarceramento do cangaceiro José Leite de Santana – O Jararaca. Baleado e martirizado, esse bandoleiro de Buíque, Pernambuco, tornou-se o outro lado da moeda na narrativa sobre a resistência da população ao ataque dos cangaceiros.

Antiga Cadeia Pública, atual sede do museu

A história de José Leite de Santana segue inconclusa.

O Cemitério de São Sebastião, que durante o ataque serviu a Lampião de lugar estratégico de comando e observação dos combates, é morada do cangaceiro Jararaca; sua sepultura é destino de romaria de fiéis católicos que lá depositam flores e fazem orações. Virou “santo” e seu protagonismo persiste na fé desses devotos, ainda que se tente apagar ou minimizar seu papel.

Túmulo de jararaca, em Mossoró

As cobras dormem tarde, acordam cedo, e compartilham a fé da humanidade deste o Jardim do Éden, que na cultura judaica significa “Jardim de Deus”.

Na cultura cristã, a serpente é a encarnação do Demônio, fonte do pecado e das tentações, causa de pavor, a personificação do mal e seus malefícios. E um homem com essa alcunha de Jararaca, bandoleiro perigoso, que a despeito do terror que levou a uma população, tornou-se, ao longo do tempo tornou-se a referência de uma comuna e destino de peregrinações de religiosos.

Talvez o Calvário de José Leite e seu martírio expliquem parte do fenômeno.

Não há Mossoró sem José Leite de Santana.

One thought on ““Chuva de Balas” no Cariri Cangaço”
  1. Parabéns pela contribuição à história do Cangaço. Trata-se de uma fenômeno social que ainta tem muito a ensinar sobre a atual realidade do Brasil

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