Parece que foi ontem; três adolescentes conviviam em torno de microfones, discos, transistores; dando os primeiros passos na radiofonia numa difusora chamada Lord Amplificador, em Pombal; 53 anos depois esses mesmos adolescentes, agora setentões, resilientes, seguem em torno de microfones e manipulando as novas tecnologias da radiofonia.

Todo esse arrodeio para tratar de Massilon Gonzaga, Otacílio Trajano e esse que vos escreve essas mal traçadas linhas – e sigo para contar a história de uma fotografia feita numa noite da Festa dos Negros do Rosário de Pombal, em 1970.

Rega-bofe: JC, Irani, Hildeberto e A. David

Metidos a galãs do rádio, mais precisamente de uma difusora localizada ao lado sul do Mercado Público de Pombal, vestindo suas melhores becas (era assim que se dizia) bebericavam e circulavam pela Festa do Rosário atrás das namoradas que certamente não existiam ou provavelmente existiam – não necessariamente nessa ordem.

Naquele tempo as prefeituras não disponibilizavam banheiros químicos nas festas populares e o jeito era se arranjar pelos becos ou por trás das barracas das atrações da festa.

Viva o Dono da Casa! Viva!

Assim encontramos os fundos da barraca “Teresão”, uma atração com bonecos enormes que tocavam forró e lá resolvemos aliviar a bexiga e ali mesmo encontramos um fotógrafo de monóculos fazendo a mesma coisa.

Pedimos pra “bater uma chapa” e ela, a fotografia, resistiu ao tempo.

A tal foto com monóculo e tudo ficou guardada nos meus alfarrábios e seguiu comigo quando fui morar na Guanabara, depois voltei para fixar moradia em João Pessoa, até que um dia a reproduzi e compartilhei com Otacílio e Massilon; a cópia que eu tinha sumiu, não achei mais, mas eles guardaram uma cópia, “como testemunho ocular da história”, feito bordão do Repórter Esso que tanto marcou a radiofonia brasileira.

No sábado, 19, Otacílio promoveu um rega-bofe em sua casa e lá estávamos os três, setentões, posando para mais uma foto e tentando refazer a mesma pose de 53 anos atrás.

Juro que escutei voz de um curumim cochichando.

– Estão caducando.

Foi um repasto com direito a cachaça, uísque e cerveja, buchada de bode, frutas colhidas ali mesmo no quintal e presenças afetivas ilustres, muito além de filhos e netos.

Poetas, escritores, radialistas e cantores da noite se revezavam ao microfone cantando músicas de Carlos Alberto, Altemar Dutra, Moacir Franco, Reginaldo Rossi, Adilson Ramos, Chico Buarque, Nara e Cláudia Barroso.

– Uma play list do tempo do ronca, murmurou a mesma voz do curumim que se deleitava saboreando doce de leite.

Massilon mantém o velho hábito de “controlista”

Enquanto isso, o espetacular China, cantor das noites campinenses soltava eletrizante voz, o artesão e professor Zé Nilton, que é também especialista em cachaçaria, mostrava como se “bebe uísque tecnicamente”.

 

“Mineiro” soturnamente e em silêncio a tudo assistia, o poeta e escritor também pombalense Irani Medeiros cuidava de manter a mesa abastecida, foi quando o professor universitário, crítico literário e membro da Academia Paraíba de Letras, Hildeberto Barbosa Filho, discretamente cometia e digitava no seu celular os seguintes versos:

70 anos não é para todos.

Não me sinto assim.

Vivi os 60, os 68.

Estampidos na rua, tortura 

nas celas.

Ouvi Chico, Vandré, Nara, 

Roberto.

Toquei meu violão de prata,

cujas melodias encanecem

meus cabelos. 

Um dia, desses anos,

Deus me deu outro amor 

na madureza. 

Quem tem neto, neta, 

nunca perde a infância. 

A música habita parte 

de meu corpo.

Minha casa tem a harmonia 

e os arranjos da música 

silenciosa. 

70 anos, 

se não tenho muito tempo, 

tenho a carícia da eternidade.

Tenho uma família, 

uma prole e certas alucinações 

de quem não teme o soluço

da vida.

Olho para trás 

e o mundo me parece 

uma arca luminosa 

onde bichos e vegetais 

fazem amor com o tempo,

desde o primeiro milímetro 

da noite

ao solitário polegar 

nas mãos da aurora.

Olho para frente,

o abismo do perdido se abre

para receber meus despojos.

Amei muito. Sei que fui amado.

Se morrer, sei que morrerei,

morrerei feliz ,

pois 70 anos não é para todos. 

Estou contando o fato como o fato foi, homens das letras e do rádio, da noite e da boemia, em torno de uma mesa para festejar a vida – ou o que ainda resta dela. Ninguém comemora 70 anos duas vezes, nem biblicamente!

Muito menos lúcidos, ainda debochados, sobreviventes das mazelas desse mundo.

Lá fora chovia copiosamente.

 

 

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