Jerdivan Nóbrega de Araújo
A cidade de Pombal, terra de Leandro Gomes de Barros, Arruda Câmara, Ruy Carneiro e Celso Furtado, e o mais antigo núcleo de povoamento do sertão paraibano. Edificada a 400 quilômetros da capital, João Pessoa, na confluência dos rios Piancó e Piranhas, tem como seu acontecimento folclórico mais importante a Festa dos Negros do Rosário, comemorada há mais de cento e trinta anos.
De acordo com a tradição oral, o fundador da Irmandade que deu origem à festa teria sido Manuel Cachoeira. Os antigos contam que ele viajou, por três vezes, a pé, de Pombal a Olinda, para conseguir o tão desejado reconhecimento da Irmandade por parte do Bispo. A história deste negro se perdeu no tempo, mas seu feito já perdura por mais de um século, entre verdades e lendas.
Em todo o Brasil, as festas de Nossa Senhora do Rosário são comemoradas no mês de outubro. A de Pombal celebra-se agora no segundo domingo desse mês, começando dez dias antes com o hasteamento da bandeira e com a Irmandade coroando o Rei e a Rainha do Rosário.
Congraçamento dos filhos da cidade
Deixando de lado a história e a religião, a Festa dos Negros do Rosário de Pombal, em sua grandiosidade, sempre representou para o nosso povo – pobres e ricos – o congraçamento dos filhos da cidade, que nesta data, voltam à terrinha a para rever amigos e saber das novidades.
Em tempos passados, durante a festa, a cidade se transformava numa grande Las Vegas, onde jogos de azar eram bancados ao ar livre. Laça laça, bingos, jogos de dados, cartilhados e tantos outros, proibidos pela hipocrisia dos políticos, ali faziam a diversão do povo sertanejo.
— Quem nunca apostou na “Trinta e Seis” de seu Mané Paletó?
O ponto alto das comemorações continua sendo a saída da procissão da Casa do Rosário, na rua Manuel Cachoeira, em direção à Igreja dos Negros do Rosário, onde é celebrada a missa que encerra a magnífica festa – da qual os filhos de Pombal ainda falam com orgulho.
Mas por que a Festa dos Negros do Rosário não me empolga mais? Talvez porque o tempo tenha mudado o que era para mudar, e os políticos e padres tenham mudado o que não deveria.
Em outros tempos – e essa era a minha época –, enquanto a procissão se arrastava como uma cobra pelas ruas quentes de Pombal, o anfitrião mor da festa, o Professor Arlindo Ugulino, ia pronunciando, um a um, os nomes dos filhos de Pombal que haviam voltado para prestigiar mais uma comemoração de sua mãe negra.
Seu discurso era parte da alma da festa. Todos se aglomeravam a partir das cinco horas da manhã, ao primeiro toque do velho bronze da bicentenária Igreja do Rosário, para abraçar os amigos sob o chamamento nostálgico do mestre.
— Este ano — dizia o obstinado anfitrião — temos a presença do Dr. Thiago, ilustre filho da cidade. Vejo daqui o Dr. Plínio e o Dr. Queiroga, dois grandes conhecedores das letras jurídicas que muito orgulham o nosso povo. Epitácio Queiroga não está entre nós: rezemos pela sua alma. Otacílio Trajano não podia faltar: o vejo daqui a prosear com João Costa e Inácio de Lourdes. Gandhi não veio, rezemos pela sua alma.
Em 2025, o mestre ainda estava ali, mas o tempo cobra o seu preço e ele já naos faz parte do evento E mesmo que ele fizesse a chamada nominal, ninguém responderia: uns já se foram, e outros perderam a vitalidade para a longa viagem até os pés de Nossa Senhora do Rosário de Pombal. Isto o tempo levou.
Festa dos negros do Rosário, em Pombal
Na procissão, ainda vi pagadores de promessa, mas não ouvi mais a queima de fogos nem os cantos litúrgicos da missa celebrada pelo padre Sólon de França; a bada seguindo a procissão também não há mais. Tudo o que se perdeu levou também a minha empolgação.
Abrindo alas pela multidão, num espetáculo para turista ver, os três grupos folclóricos – Congos, Negros dos Pontões e Reisados – ainda fazem suas coreografias. Mas, tão logo termina a festa, são esquecidos. Não há uma política de preservação e continuidade. É como se em minha cidade a cultura fosse algo descartável.
Na festa que me empolgava, víamos os turistas admirando os Congos, o Reisado e os Negros dos Pontões dançando no meio do povo.
Também se foi a minha empolgação de, após os pecados perdoados, renová-los nas barracas de palha, ao som de músicas bregas. E, já cansados de tanta emoção, afogar a ressaca nas águas sagradas e transparentes do velho rio Piancó.
Este mesmo rio, onde os doutores nascidos em Pombal foram moleques e, com toda certeza, sentem saudades também, já não há mais.
Desejo, nem que seja numa Festa do Rosário, voltar a correr naquelas ruas quentes, onde a nossa infância é vento a espanar os cabelos de nós, moleques da cidade de Pombal e ali ver meu o pai prosear na calçada do mercado público e minha mãe costurar nossas “roupas da festa”. Nada disso existe mais: o rio já se foi, e as barracas de palha também são só saudade meu pai completou seu círculo de vida e minha mãe perdeu a vitalidade e a juventude para costurar nossas roupa da festa.
Busco no peito a empolgação para voltar a Pombal no segundo domingo de outubro, mas, a cada ano, me encontro mais vazio. Talvez eu não tenha perdido a empolgação pela Festa dos Negros Rosário, quem sabe seja a vida que estar se afastando de se de mim.
#Jerdivan Nóbrega é escritor e pesquisador