Pombal: Entre o Concreto e o Esquecimento
Por Bruno
Entre os tarifaços de Trump, que mesmo distantes ecoarão por aqui nos preços do arroz, e o aquecimento global que derrete as sombras do sertão, Pombal chega aos seus 163 anos de emancipação política com um rosto inquieto. Há 327 anos fincada no chão da história, a cidade parece hoje à beira de um esquecimento mais profundo: o de si mesma.
A paisagem mudou. Árvores centenárias foram derrubadas em silêncio, como se não fizessem parte da biografia da cidade. Praças, antes cheias de chão batido, bancos tortos e conversas demoradas, foram revestidas de concreto, fontes secas e luminárias modernas — progresso, dizem. Mas o que se perdeu? Não foi só sombra. Foi o senso de pertencimento. A beleza que não precisa ser vendida em edital. A memória que crescia junto ao tronco das ingazeiras, dos umbuzeiros, das oiticicas…
As temperaturas, que sobem ano após ano, não avisam apenas que o clima mudou. Dizem que há algo errado no modo como vivemos. Em Pombal, o calor já não é só uma questão de estação. É um sintoma. A terra grita debaixo do asfalto. Os bichos somem. As manhãs perderam o frescor. E, mesmo assim, as árvores continuam sendo vistas como entraves. A natureza virou obstáculo urbanístico. A sombra virou problema de gestão.
Enquanto isso, no campo da política, vive-se outra seca: a da escuta. O debate virou trincheira. A polarização, um teatro previsível onde cada lado repete suas falas sem jamais ouvir o outro. A alienação se instalou como método. Fala-se muito e pensa-se pouco. Esquecem-se as velhas lutas — as verdadeiras, travadas nos sindicatos, nas roças, nas feiras, nas salas de aula. Esquece-se que antes de fulaninhos e fulaninhas, havia fome. E que antes de brigas ideológicas, havia uma cidade tentando dar certo.
E talvez o mais grave: perdeu-se a sensibilidade histórica. A cidade que já foi palco de batalhas importantes, refúgio de sonhadores, berço de educadores e poetas, hoje parece preferir o esquecimento ao enfrentamento da própria verdade. Como se a história fosse um fardo, e não um alicerce. Como se lembrar do que fomos impedisse de ser algo novo. Mas é justamente o contrário. Só constrói quem conhece o que foi destruído.
Ainda assim, há respiros. Há quem resista. Quem plante árvore sem pedir licença. Quem ensine com paixão, mesmo sem a liberdade de pensar. Quem documente, quem cante, quem escreva — como uma forma de remar contra a maré do esquecimento. Há também os que olham para as praças reformadas e sonham que um dia elas possam voltar a ser o que eram: espaço de encontro, não de exposição.
Pombal é mais do que um conjunto de datas comemorativas. É um organismo vivo, feito de lembranças, acertos e feridas. Chegar aos 163 anos de emancipação política deveria ser um chamado à lucidez.
Não se trata apenas de celebrar, mas de perguntar: de que vale a autonomia política se nos falta autonomia de pensamento? De que vale a modernização se ela apaga tudo o que nos tornava únicos?
Os 327 anos de fundação não são apenas tempo — são responsabilidade. Um passado inteiro nos observa. E o futuro, mesmo nebuloso, ainda espera por gestos corajosos. Quem sabe comece com o simples ato de deixar uma árvore em pé. Ou de sentar em uma praça — de verdade — e ouvir. Não um discurso. Mas o que a cidade ainda sussurra, apesar de tudo.
Bruno Almeida: senso de pertencimento
Imagem do bar Centenário: Marcelino Neto