José Tavares de Araújo Neto
O bolsonarismo, esse experimento brasileiro de fervor, negacionismo e carisma inflamado, escolheu a terceira via de implodir-se com barulho, estilhaço e transmissão ao vivo. E, como em toda boa implosão, os primeiros pedaços a cair são sempre os que antes pareciam mais sólidos.
O Financial Times, pouco dado a melodramas tropicais, classificou como um fracasso espetacular o lobby de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos. A palavra espetacular, vinda de britânicos acostumados a chá e parcimônia, diz muito.
Eduardo conseguiu, ao mesmo tempo, irritar empresários, provocar tarifas inoportunas e fornecer ao mundo o espetáculo involuntário de um filho tentando salvar o pai com argumentos que fariam corar um estagiário de primeira semana. A diplomacia norte-americana apenas assistiu, intrigada, ao malabarismo político de quem parecia tentar apagar um incêndio soprando gasolina.
Mas se o cenário internacional já era tragicômico, a crise doméstica tratou de elevar o tom. A família Bolsonaro, outrora apresentada como muralha unida contra o sistema, agora briga à luz do dia. Michelle Bolsonaro, em Fortaleza, reacendeu antigos vídeos de Ciro Gomes ofendendo Jair e seus seguidores e declarou inadmissível a aproximação do PL com o ex-governador. O gesto foi suficiente para desatar um nó que já estava prestes a romper.
Flávio, Carlos e Eduardo reagiram como guardiães feridos, acusando Michelle de atropelar o pai. Ironia trágica, pois o mesmo pai que, preso, já não consegue atropelar mais nada, nem sequer o próprio destino político. Flávio classificou a postura da ex-primeira-dama como injusta e desrespeitosa, enquanto o PL nacional suspendeu às pressas as conversas com Ciro.
A crise levantou a pergunta que todos cochichavam, mas ninguém verbalizava. Quem manda no bolsonarismo quando Bolsonaro não pode mandar nem em si mesmo.
Como se não bastassem as fissuras ideológicas, o núcleo mais folclórico da família segue produzindo episódios dignos de roteiristas de reality show. Jair Renan Bolsonaro, o 04, virou atração em Balneário Camboriú, comparado a Tiririca por não apresentar projetos relevantes, defendendo a ditadura com entusiasmo pueril, propondo leis inconstitucionais e colecionando atritos com vereadores e prefeita. A imprensa batizou esse conjunto de fiascos de exposição das tolices, um título tão preciso que dispensa metáforas.
E é nesse ambiente saturado de autossabotagem que surge a cereja no bolo. Flávio Bolsonaro, em entrevista recente, tornou-se chacota nacional ao reclamar das condições da prisão do pai. A sala de doze metros quadrados, equipada com cama, frigobar, televisão, cadeira, escrivaninha, banheiro privativo e ar condicionado, foi descrita por ele como se fosse um calabouço medieval. O barulho do ar condicionado do prédio vizinho, funcionando das sete da manhã às sete da noite, foi elevado à categoria de tortura. Faltou pouco para sugerir que Jair Bolsonaro, condenado a vinte e sete anos por tentativa de golpe de Estado, estivesse sendo submetido a suplícios dignos do Dops durante a ditadura militar.
A opinião pública reagiu com espanto, riso e ironia. Afinal, em um país onde a maioria dos presos se aperta em celas superlotadas e insalubres, reclamar do ruído de um compressor de ar condicionado beira o deboche com a realidade nacional. A fala de Flávio iluminou, mais uma vez, a distância sideral entre o discurso de vitimização do clã e a experiência comum dos brasileiros.
No meio desse turbilhão, Tarcísio de Freitas tenta surgir como a melhor esperança da direita. Fala a língua da Faria Lima, acena ao conservadorismo, tenta manter distância higiênica das trapalhadas da família e aguarda o aval de um Bolsonaro politicamente exaurido. É uma aposta calculada e talvez a única racional em um campo político que há tempos opera com excesso de testosterona e escassez de prudência.
Os analistas dizem que o bolsonarismo implode. Eu diria que ele desmonta seu próprio palco. Os leões se estranham, os palhaços discutem, a lona rasga ao vento e o público, cansado, começa a deixar as arquibancadas. Não há mais maestro, não há discurso unificador, não há a ilusão de força monolítica. Há apenas fragmentos, alguns ruidosos, outros patéticos, muitos irreconciliáveis.
Resta saber se essa implosão será final ou apenas mais um capítulo na tradição brasileira de ressuscitar mitos cansados. O Brasil adora repetir personagens, mesmo quando já não lembram a si mesmos.
Por ora, o fato se impõe. O bolsonarismo implode porque se tornou refém de suas próprias contradições. Os inimigos externos pouco precisaram interferir. O detonador, mais uma vez, estava em mãos familiares e foi acionado com zelo surpreendente.
# José Tavares é escritor e pesquisador do Cangaço
Imagem Agência Brasil.
