José Tavares de Araújo Neto
A Coluna da Hora de Fortaleza, erguida em 1933 na Praça do Ferreira, e a Coluna da Hora de Pombal, construída em 1940, são irmãs de concreto, relógio e intenção. Ambas nasceram para organizar o tempo urbano e, ao mesmo tempo, para afirmar um gesto de modernidade. Seus destinos, no entanto, foram diferentes. Uma tombou diante das picaretas da pressa; a outra permanece firme, guardando o pulsar da cidade que a adotou como símbolo.
Naquele tempo, a Praça do Ferreira fervilhava como o coração da capital cearense. O jovem prefeito Raimundo Girão, com 33 anos, inaugurava um monumento ousado, uma torre de treze metros, em estilo Art Déco, com quatro mostradores de um relógio importado dos Estados Unidos. A chegada da meia-noite de 31 de dezembro de 1933 foi celebrada com banda, discursos e transmissão ao vivo pelo rádio. Nascia ali o Relógio da Cidade. A coluna, sólida em concreto armado, tornava-se farol urbano, ponto de encontro e marco da memória afetiva dos fortalezenses.
As décadas passaram. A sujeira, o abandono e uma polêmica reforma da praça criaram o cenário perfeito para um gesto que, ainda hoje, causa espanto. Em 6 de julho de 1967, operários cercaram a Coluna da Hora. Autoridades discursaram e, às nove da manhã, o povo viu cair ao chão o monumento que durante 34 anos marcara a vida da cidade. O mais doloroso talvez não tenha sido o ato em si, mas a justificativa. Disseram que a coluna perdera função, que era parte de um provincianismo fora de moda.
A ironia histórica é que tais palavras foram ditas pelo próprio Raimundo Girão, o mesmo que a inaugurara em 1933. O relógio que antes anunciara novos tempos foi reduzido a entulho. A praça ficou, no dizer de muitos, sem alma. Décadas depois, uma réplica foi instalada, mas o monumento original, que guardava as memórias dos passos, dos encontros e das saudades, se perdeu para sempre. A antiga coluna deu lugar a outra incapaz de refletir a imponência da original.

Coluna da Hora, em Fortaleza
Em 1949, enquanto Fortaleza avançava rumo às reformas modernistas, no sertão da Paraíba outra história se desenhava. O prefeito Francisco de Sá Cavalcante, decidido a transformar a paisagem urbana de Pombal, encarou o desafio de embelezar uma área poeirenta no tempo de seca e alagadiça no período chuvoso, localizada no coração da cidade. Criou duas praças, Getúlio Vargas e Barão do Rio Branco, e, inspirado na capital cearense, mandou erguer uma torre idêntica à existente na Praça do Ferreira.
Erguida nos mesmos moldes e proporções da Coluna da Hora de Fortaleza, a de Pombal manteve viva a estética da torre que encantara o prefeito Sá Cavalcante em suas viagens à capital cearense.
Não era imitação. Era homenagem. Sá Cavalcante, comerciante viajado a Fortaleza, encantara-se com a Coluna da Hora e viu nela um símbolo de progresso e identidade. A torre, tal qual a original, receberia um relógio carrilhão alemão de quatro faces, capaz de cantar as horas com o toque metálico que ecoa até hoje pela cidade. Sua construção foi minuciosa e até demandou autorização do Congresso Nacional para a importação da máquina.
Curiosamente, a primeira versão da torre foi demolida ainda inacabada, não por descaso, mas por capricho estético do prefeito. Ele queria melhor harmonia com o conjunto urbano. Reconstruiu-a na Praça Presidente Getúlio Vargas e, desde então, ela se tornou presença cotidiana na vida dos pombalenses.
É aqui que as histórias se encontram de forma mais comovente.
Fortaleza perdeu sua coluna. Pombal preservou a sua. Quando operários derrubavam a Coluna da Hora de Fortaleza em 1967, a de Pombal permanecia firme, guardando o estilo, o encanto e a função daquela que lhe servira de inspiração. O que desapareceu na capital cearense continua vivo no sertão paraibano. É como se o tempo, que tanta vez derruba, ali tivesse resolvido conservar.
A Coluna da Hora de Pombal não é apenas um relógio. É testemunha. Testemunha das procissões, dos passos apressados, das conversas de fim de tarde, das cheias do Piancó que moldaram gerações. Testemunha de uma cidade que respeita sua memória e que, em 2011, a elegeu uma das Sete Maravilhas de Pombal ao lado de seus templos, praças e rios sagrados.
Já a de Fortaleza, reconstituída, não devolve ao povo o que se perdeu, que é o objeto histórico, a matéria viva do tempo.
Falar dessas duas colunas é falar de escolhas. Fortaleza escolheu demolir. Pombal escolheu conservar. E a conservação, nesse caso, é mais do que gesto administrativo; é gesto de amor à própria história.
A Coluna da Hora de Pombal segue erguida, teimosa, bela, marcando as horas e o pertencimento. É a irmã que sobreviveu. É a guardiã de duas memórias: a de uma cidade que preserva e a de outra que aprendeu tarde demais o valor do que destruiu.
Enquanto os ponteiros giram, Pombal continua celebrando aquilo que Fortaleza só pode recordar. O tempo passa, mas, em certos lugares, a história permanece.
# José Tavares é escritor e pesquisador pombalense.
