Por Francisco Galbi Saldanha

Em 2026, Mossoró (RN) entrará numa espécie de contagem regressiva rumo ao centenário de um de seus momentos históricos mais marcantes: a resistência da cidade ao bando de Lampião. O épico confronto, de junho de 1927, ainda esconde dúvidas sobre os mentores intelectuais da invasão. Quem apoiou os cangaceiros a invadir essas terras potiguares, onde o próprio Lampião desconhecia?

A versão clássica mostra que o rei do cangaço veio para Mossoró com o objetivo de saquear o Banco do Brasil, um expoente polo financeiro da região. Queria dinheiro, mais precisamente 400 contos de réis. Essa era a exigência para não atacar a cidade, conforme carta encaminhada pelo coronel sequestrado Antônio Gurgel, ao prefeito daquela Mossoró de 1927, Rodolfo Fernandes.

Ainda conforme a história tradicional, o prefeito não pagou, Lampião invadiu e a cidade resistiu em meio a um forte tiroteio, que décadas depois viria a ser conhecido como a “Chuva de Bala”. Os cangaceiros foram derrotados e Mossoró se consagrou vitoriosa. Até aqui, uma história já bastante conhecida e muito cultuada.

Mas voltemos aos mentores intelectuais da invasão, se é que podemos chamá-los assim. Lampião veio atacar Mossoró com o apoio de quem? A quem interessava esse ataque? Ou Lampião veio por livre e espontânea ganância, apenas com vistas ao assalto do banco?

Essas dúvidas permeiam por décadas e estão longe de um desfecho, talvez as respostas nunca sejam conhecidas ou totalmente esclarecidas, de fato. Mas se não temos condições de afirmar esses mentores, temos condições de fazer algumas exclusões de nomes que foram colocados na seara de apoiadores ao ataque a Mossoró.

A figura do Coronel Joaquim Saldanha, o Quincas Saldanha (1872-1936), aparece em documentos como uma das autoridades da época que lutaram, ou se preparam para lutar contra a invasão dos cangaceiros. O confronto do coronel Saldanha com Lampião nunca aconteceu de fato. Mas a distorção é que alguns pesquisadores colocaram o Cel. Quincas como uma das lideranças da época que incentivaram Lampião a invadir Mossoró. A história, por meio de documentos e relatos, nunca mostrou isso. Pelo contrário. O Cel. Quincas, ou o Gato Vermelho como era mais conhecido, funcionou como uma espécie de repulsa aos cangaceiros. A bravura do Coronel metia medo a todos, inclusive aos bandoleiros do sertão.

Em obras do pesquisador e historiador Raimundo Soares de Brito, isso fica evidente. Segundo Raibrito, o poderio de Quincas Saldanha provocou um desvio da rota de Lampião. Raimundo Soares explica que quando o cangaceiro estava a caminho de Mossoró, planejava atacar Caraúbas. Mas a cidade se preparou sob a coordenação e liderança do chefe político local, o Coronel Reinaldo Pimenta, seu irmão Luiz Carlos e o próprio Quincas Saldanha. O ataque foi abortado pela advertência de Massilon Leite (cangaceiro do Bando de Lampião) que já tinha morado nas terras das famílias Veras e Saldanha. “Por Caraúbas não, Capitão. Lá se encontra o Gato Vermelho”, esclareceu Massilon. Lampião atendeu o pedido do companheiro e desviou a rota.

Como o próprio Raimundo Soares de Brito menciona, Massilon conhecia o Gato Vermelho por já ter morado nas terras dos Saldanhas, mas quando entrou para o cangaço perdeu-se todo o contato com o Coronel Quincas e sua família. Em carta publicada pelo jornal “O Imparcial”, o irmão de Quincas, Benedito Saldanha, esclarece que há muito o contato entre Massilon e os Saldanhas já não existia mais em meados de 1927.

Paraibano da cidade de Teixeira, o Cel. Quincas Saldanha foi uma personalidade altiva do final do século XIX e início do século XX. Ao mesmo tempo que criou amizades, laços e parcerias pelo sertão da Paraíba e do Rio Grande do Norte, ele também reuniu desafetos e algumas inimizades que o fizeram se proteger. Como fazendeiro e liderança política da região, o Gato Vermelho, tinha homens ao seu redor que lhe davam retaguarda contra os inimigos. E foram esses homens que também se prepararam para enfrentar os cangaceiros, caso fosse necessário.

Apesar de ser um coronel de luta assumindo posições relevantes como no episódio de Princesa, na Paraíba, e na Revolução de 1930, que culminou na deposição do presidente Washington Luiz e na ascensão de Getúlio Vargas ao poder, Quincas Saldanha, pelos relatos, modo de vida e documentos, nunca teve contato direto ou indireto com Lampião e suas empreitadas de ataque. Essa tese também é defendida pelo pesquisador Sérgio Dantas. Na sua obra “Lampião e Mossoró – anatomia de uma derrota”, ele destaca que não há uma mínima evidência que sugira uma ligação entre o paraibano Joaquim Saldanha no conluio para assaltar Mossoró.

Narrativas como essas precisam ser debatidas e pesquisadas de uma forma mais ampla. A história é dinâmica e ela se altera conforme a luz de novas provas e documentos. Com isso, não se pode tornar como verdadeiras interpretações erradas, conversas repassadas entre gerações em um grande “telefone sem fio”, por muitas vezes criando lendas e distorções.

Sobre o Coronel Quincas Saldanha, cabe finalizar com a análise do Almirante Yaperi T.B. Guerra, em carta ao historiador Raimundo Soares de Brito, em 1988. “O Velho Quincas era uma fera, mas dono também de um grande coração… Ele era uma espécie de Oliveiros ou Roldão – um autêntico ‘par de França’ dos tempos de Carlos Magno, redivivo em pleno sertão do Rio Grande do Norte. É bom que não se permita que a sua imagem, que as peripécias de sua vida, não se percam na poeira do tempo”.

 

Francisco Galbi Saldanha, bisneto do Cel. Quincas Saldanha.

 

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