José Tavares de Araújo Neto
José Terto Guimarães, conhecido como Zé Terto, nasceu em Flores do Pajeú, Pernambuco. Iniciou sua trajetória no universo do crime ao integrar o grupo armado liderado por Né Pereira, em busca de vingança pela morte de seu tio, Padre Pereira, assassinado em 1907. Após a morte de Né Pereira, em 1916, assumiram o comando Sebastião Pereira e Silva (Sinhô Pereira) e Luiz Pereira da Silva (Luiz Padre).
Em 1909, por insistência de sua esposa, Sebastiana Tereza de Jesus, Zé Terto se transferiu para Juazeiro (CE), buscando fugir das hostilidades do Pajeú. Na região do Cariri cearense, destacou-se como homem de confiança na disputa violenta entre coronéis, graças à sua reputação de coragem e habilidade no uso de armas.
Teve participação vital na Sedição de Juazeiro (1914), especialmente agenciando homens armados vindos do Pajeú para fortalecer o grupo do Padre Cícero. Liderou a 3ª Coluna, enquanto Zé Pedro e Manuel de Chiquinha chefiaram a 1ª e a 2ª colunas, respectivamente. Seu disparo mortal vitimou o delegado de Juazeiro, o paraibano Quintino Feitosa, também participante da Sedição.
Nos anos seguintes, Zé Terto tornou-se reconhecido como o principal arregimentador de cangaceiros, atuando em prol de figuras como o coronel Zé Inácio do Barro, Sinhô Pereira, Luiz Padre e Lampião.
O nome de Zé Terto aparece no depoimento prestado pelo cangaceiro Ulysses Liberato à delegacia do Crato, em 24 de janeiro de 1923. Ulysses, que no final de fevereiro do ano anterior havia liderado, ao lado de Sinhô Pereira, o assalto à Fazenda Dois Riachos, em Catolé do Rocha (PB), apresenta Zé Terto como uma peça estratégica em sua rede de apoio.
No depoimento, Zé Terto é retratado como colaborador indireto das ações do cangaceiro. Atuando como mensageiro e homem de confiança, intermediava contatos com a agenciadora de crimes de nome Rosa Amélia, transmitia recados e chegou a transportar armamentos — entre eles, um rifle de oito tiros.
Ulysses menciona também que ambos viajaram juntos ao Crato, o que reforça a relação de confiança e sugere cumplicidade. Embora não participasse diretamente dos crimes, Zé Terto desempenhava um papel logístico essencial, conectando o cangaço a estruturas de poder e influência, revelando os contornos ambíguos entre a marginalidade armada e a proteção institucional.
Revolta de Princesa
Suspeito de envolvimento com crimes de pistolagem, em 5 de abril de 1928, foi preso na estação ferroviária da cidade de Senador Pompeu, sob acusação de porte ilegal de arma. Inclusive, encontrava-se conduzindo um caixote contendo armas, munições e um pequeno vasilhame com o poderoso veneno conhecido como estricnina.
Em março de 1930, durante a eclosão da Revolta de Princesa, no estado da Paraíba, circularam rumores de que, em Juazeiro, Zé Terto estaria recrutando homens das regiões do Cariri e do Pajeú para reforçar o exército rebelde do coronel José Pereira. Essas denúncias alertaram as autoridades paraibanas, que intensificaram a vigilância nas fronteiras. O presidente João Pessoa chegou a entrar em contato com o Padre Cícero para verificar a veracidade das informações, prontamente negadas pelo líder de Juazeiro.
Em outubro, nos dias decisivos da Revolução de 1930, o 23º Batalhão de Caçadores, dividido em três unidades sob o comando do tenente-coronel Ari Correia, entrou em Juazeiro com o objetivo de desmantelar o feudo do Padre Cícero Romão Batista — tradicional reduto político e religioso. A tropa, composta em grande parte por policiais paraibanos, passou a receber acusações contra Zé Terto, alegando que, além de simpatizante do presidente Washington Luís, ele teria aliciado cangaceiros para o coronel José Pereira durante o conflito na Paraíba.
Apesar dos alertas e advertências, inclusive familiares, Zé Terto permaneceu em Juazeiro — confiando em sua convivência com autoridades militares. Certa noite, foi procurado por uma pequena patrulha militar e convidado a guiá-los até um sítio para apreensão de armas. Apesar do alerta de sua esposa, Sebastiana, ele aceitou e entrou no carro, sentado entre o tenente Manuel Benício e o cabo João da Mancha.
Enquanto o veículo seguia para o Crato, os tripulantes mantinham conversa leve com o “guia”. Ao passarem pelo local conhecido como “Rodagem” — antigo ponto de execução de prisioneiros —, os dois policiais que o acompanhavam mais de perto desferiram golpes brutais com peixeira, assassinando-o instantaneamente. O carro retornou a Juazeiro, deixando o corpo à beira da estrada, sem socorro ou explicações.
Na manhã seguinte, surgiram boatos de que teria sido morto por inimigos locais. Os assassinos permaneceram em silêncio, cumprindo ordens à revelia do comandante Ari, que não tinha conhecimento do homicídio. Anos depois, em depoimento a Olímpio de Magalhães (primo da vítima), Manuel Benício negou participação no crime. Contudo, Jaime Câmara — segundo-sargento e participante indireto — mostrou ao narrador a faca de João da Mancha, dada a ele como presente após o assassinato, confirmando a crueldade do ato.
Zé Terto encerrou sua trajetória em uma tragédia silenciosa. Foi vítima de uma execução premeditada e covarde, em meio à turbulência revolucionária, por uma patrulha que se dizia oficial. Seu assassinato ficou oculto da imprensa e da história oficial, apenas revelada anos depois por testemunhas e relatos orais.
Imagem de capa: fotógrafo Benjamim Abraão com Lampião e seu bando
Fontes:
ARAÚJO NETO, José Tavares de Araujo, & ARAÚJO, Jerdivan Nóbrega de. “Ulysses Liberato, um Cangaceiro a Serviço do Major José Inácio do Barro”
ARAÚJO NETO, José Tavares de. “Zé Terto, o Arregimentador de Cangaceiros”.
(https://www.liberdadepb.com.br/ze-terto-o-arregimentador-de-cangaceiros/)
ANSELMO, Otacílio. “A Revolução de 30 no Ceará”.
LIRA NETO. “Padre Cicero, Poder, Fé e Guerra no Sertão”.