José Tavares de Araújo Neto (*)

 A história dos Viriatos está profundamente ligada aos Ferreira Nobre, à tradicional família Formiga de Pombal, na província da Paraíba. O casal-tronco foi formado pelo Capitão José Ferreira de Sousa, o Capitão Zé da Formiga, e por Maria Nobre da Conceição, a Dona Rosa da Formiga. Dessa união nasceram treze filhos, entre eles o Padre José Ferreira Nobre (o Padre Nobre citado no hino de Pombal), líder da Revolução de 1817, e os capitães Manoel e Antônio Ferreira de Sousa, também insurgentes naquele movimento libertário.

Vicente José Viriato Ferreira, o primogênito, que posteriormente adotou o nome da propriedade Formiga como sobrenome, contraiu matrimônio com Cândida Florentina Rosa de Jesus. O casal teve os filhos Joaquim Juscelino, João, José (Zeca), Manoel (Nezinho) e Alexandrina Juscelina; a todos deram os sobrenomes Viriato Formiga.

Em 1835, Vicente Viriato Formiga, juntamente com a família, mudou-se para o Cariri cearense, fixando-se no município de Milagres (CE), onde se tornou proprietário do Sítio Monte Alegre. Posteriormente, em um gesto de generosidade, doou a propriedade em vida ao seu filho Joaquim Juscelino Viriato Formiga, que se ordenou padre.

 

Atuação do Padre Joaquim Juscelino Viriato Formiga

Nascido em Pombal, como os demais irmãos, Padre Joaquim Juscelino Viriato Formiga teve destacada atuação inicial no Piauí, onde foi eleito deputado provincial, exercendo o mandato no biênio 1858-1859. Também atuou como professor de primeiras letras (ensino básico) na cidade de Picos.

Devido a questões políticas, por volta de 1860, mudou-se com a família (companheira e filhos) para o distrito de Boa Esperança (atual povoado de Iara, Barro), no Cariri cearense. José Vicente Formiga Viriato desmembrou uma área de sua propriedade e construiu a primeira igreja do povoado – dedicada à Nossa Senhora da Conceição, por devoção de sua esposa, a Senhora Cândida Florentina de Jesus – e a doou ao seu filho, o padre Juscelino Formiga.

Padre Formiga atuou como adjunto na paróquia de Missão Velha ao lado do seu primo, o pároco Padre Félix Arnaud, onde o ajudou no atendimento às vítimas da epidemia de cólera de 1862.

 O Padre Juscelino Formiga foi brutalmente assassinado em dezembro de 1867, no distrito de Conceição de Piancó (atual cidade de Conceição), na Paraíba. O crime ocorreu por volta das 5 horas da manhã, na residência de Galdino José de Santana, onde o padre estava hospedado.

O assassino foi o indivíduo Sebastião Gomes de Sousa Barbosa (conhecido como “Bembém”), natural de Pajeú de Flores (PE). Ele era agricultor e tinha entre 31 e 32 anos na época. Bembém investiu contra o padre enquanto ele estava deitado (mas

Em seu depoimento, ele alegou que o padre tentou se defender com um punhal, mas ele conseguiu quebrar a arma e usá-la contra a vítima. Afirmou ter agido em “defesa da honra”, alegando que o padre “queria tirar sua honra e de sua família”. No entanto, durante o interrogatório, Bembém não apresentou fatos concretos que comprovassem essa intenção do padre, apenas suspeitas infundadas.

 No início da década de 1870, uma desavença entre os fazendeiros Vicente Viriato e Joaquim Grande resultou em mortes e feridos, tornando-se o marco inicial de uma escalada de violência que logo se espalhou pelo Cariri cearense. O conflito deu-se por conta de uma faixa de terra que Vicente havia adquirido. Essas terras, no entanto, foram reivindicadas por Joaquim Grande, poderoso fazendeiro local. A disputa rapidamente degenerou em confrontos violentos, envolvendo não apenas as famílias rivais, mas também forças policiais enviadas pelo governo provincial.

Grande Seca e a Ampliação do Conflito

Em 1877, o Nordeste foi atingido por uma das mais devastadoras estiagens de sua história: a “Grande Seca” ou “Seca dos Três Setes”, que perdurou até 1879. A fome, a miséria e as disputas por terra intensificaram os conflitos sociais, dando origem ou ampliando o fenômeno do cangaço. Nesse contexto, acontecia o conflito entre os Viriatos e os jagunços comandados por Joaquim Grande.

Aproveitando-se do caos da seca, os Viriatos ampliaram sua atuação, arregimentando flagelados e descontentes que encontravam no bando uma alternativa de sobrevivência. Relatos da época narram que os Viriatos praticaram saques em várias localidades, entre elas a povoação de Venda (hoje Aurora), onde exigiram dinheiro e recursos dos moradores. A imprensa registrava os feitos do grupo, reforçando sua imagem de brutalidade e rebeldia contra a ordem estabelecida.

Mudança de Liderança e Rebelião no Cárcere – Com a morte de José Vicente Viriato Formiga, em 1880, a liderança passou ao filho Manoel Viriato Formiga, que manteve os ataques e conflitos. Preso, foi conduzido à cadeia do Crato, onde, em 1885, liderou uma das mais violentas rebeliões já registradas no sistema prisional do Ceará, resultando na morte do carcereiro e de soldados.

Proteção Política e Impunidade – A trajetória dos Viriatos também esteve envolta em suspeitas de proteção política. Manoel Viriato era parente do deputado Ratisbona e da poderosa família Bezerra de Menezes, do Crato, já que sua tia, Quitéria Delfina Benedita Nobre, fora casada com o capitão-mor Antônio Bezerra de Menezes. A imprensa denunciava a aparente complacência das autoridades em relação às suas ações, sugerindo que tais vínculos lhe garantiam impunidade. 

Legado – A saga dos Viriatos ilustra a complexa trama de fatores que moldaram o sertão nordestino no século XIX: a luta pela terra, os efeitos devastadores da seca, a violência como resposta à exclusão social e a interferência da política nas disputas locais. Mais do que simples “bandoleiros”, os Viriatos representam uma expressão da instabilidade e das contradições do período, em que a sobrevivência e a resistência se confundiam com a transgressão e a violência.

Assim, a memória dos Viriatos permanece como um capítulo importante da história do cangaço primitivo, anterior ao ciclo mais conhecido de Lampião e seus seguidores, mas igualmente revelador da dureza e das injustiças que moldaram o destino de tantas famílias sertanejas.

O Relato do Padre Otaviano

Eis um resumo da narrativa do Padre Otaviano sobre os Viriatos:

“Os Viriatos, apesar de sua boa origem familiar e aparência distinta, formaram entre 1876 e 1879 uma poderosa quadrilha armada que espalhou terror pelo Ceará e Paraíba. O grupo, com mais de 60 homens bem municiados, saqueava fazendas, roubava gados, dinheiro, gêneros e até mulheres, instalando-se no povoado de Boa Esperança (CE), onde chegaram a erguer uma verdadeira ‘cidade de valentes’.

A situação foi tão grave que o Imperador Dom Pedro II enviou tropas do Exército para reprimir os bandoleiros. No Ceará, juntaram-se às forças locais de Milagres, e, na Paraíba, receberam apoio do chefe Zuza Lacerda. Após intensos combates, o grupo foi derrotado.

O confronto decisivo ocorreu no lugar Jenipapeiro, município de Conceição (PB). Cercados numa velha fazenda, sete Viriatos resistiram até gastar toda a munição. Um deles, chamado Monteiro, conseguiu escapar pela caatinga. Os outros seis se renderam, mas foram executados pelas forças de Zuza Lacerda, das quais fazia parte o meu avô, Francisco Pereira Lima. Estão sepultados juntos numa só cova.

Assim terminou o domínio dos Viriatos, deixando na memória da região uma mancha indelével, lembrada como um dos episódios mais violentos da história local.”

(*) Trecho Livro  *“A história de Pombal contextualizada no Cenário Nacional”_* (Título Provisório), de José Tavares de Araújo Neto. Escritor e pesquisador (foto de capa).

 

 

 

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