Em artigo para o Blog do João Costa, o escritor e pesquisador do Cangaço, José Tavares de Araújo Neto, explica as razões para escrever sobre o sargento da Força Pública Paraibana (PM) Clementino José Furtado, personagem histórico da Revolta de Princesa.
Por que escrevi Clementino Quelé
José Tavares de Araújo Neto
Escrever A Saga do Sargento Clementino Quelé no encalço de Lampião e na Revolta de Princesa foi, antes de tudo, um gesto de inquietação. Sempre me incomodou a maneira como certos personagens do sertão nordestino foram aprisionados a versões simplificadas, repetidas à exaustão, como se a história fosse um campo de respostas prontas e não um território de perguntas permanentes.
Clementino José Furtado, o Sargento Quelé, era um desses nomes. Figura recorrente nos relatos sobre o cangaço e nos episódios da Revolta de Princesa, quase sempre aparecia de forma lateral, reduzido a rótulos fáceis.
Resolvi, então, segui-lo pelos rastros deixados nos arquivos, nos jornais, nos documentos judiciais e nas memórias dispersas, buscando compreendê-lo não como herói nem como vilão, mas como homem do seu tempo, moldado pelas contradições do sertão e da política das primeiras décadas do século passado.
Ao longo da pesquisa, percebi que Quelé não pode ser lido fora do contexto em que viveu. O sertão que o formou era atravessado por disputas partidárias, coronelismo, ingerências estaduais e por uma justiça frequentemente tensionada por interesses políticos.
Nesse cenário, a fronteira entre legalidade e violência mostrava-se instável, e as forças oficiais do Estado, muitas vezes, agiam segundo lógicas tão duras quanto aquelas que diziam combater.
Seguir Quelé no encalço de Lampião foi, igualmente, revisitar um dos capítulos mais complexos da história nordestina. O confronto com o cangaço não se deu apenas no campo armado, mas também no terreno simbólico, onde prestígio, poder e autoridade estavam em disputa.
Lampião e Quelé, embora em lados opostos, emergem neste livro como produtos de uma mesma paisagem social, marcada pela escassez, pela honra ferida e pela ausência crônica do Estado.
A Revolta de Princesa revelou-se um momento decisivo para compreender o entrelaçamento entre política local e violência institucional. Ao acompanhar a participação de Quelé nesses episódios, procurei mostrar como decisões individuais estavam profundamente condicionadas por alianças, pressões e estratégias que extrapolavam a vontade de um único homem.
A apresentação do livro coube a João Costa, estudioso atento da história sertaneja, cuja familiaridade com a trajetória de Clementino Quelé e com os conflitos que marcaram aquele período confere ao texto inicial uma leitura segura e contextualizada.
O prefácio, assinado pelo dr. Sérgio Dantas, renomado pesquisador que conhece a história de Quelé com profundidade, reforça a necessidade de tratar o personagem para além dos rótulos consagrados, destacando o rigor da pesquisa e a importância de revisitar criticamente as narrativas já cristalizadas.
Optei por uma escrita que não romantiza o cangaço nem absolve seus agentes, mas que também não se rende à tentação do julgamento fácil. A pesquisa histórica exige desconfiança, confronto de fontes e disposição para contrariar narrativas consolidadas. Repetir versões não é fazer história, é apenas perpetuar silêncios.
Este livro nasceu do desejo de devolver voz e densidade a um personagem que o tempo e a conveniência trataram de simplificar. Se ele contribui para ampliar o debate sobre o cangaço, a Revolta de Princesa e a própria história do sertão, então cumpriu seu papel.
Escrever sobre Clementino Quelé foi, para mim, uma forma de afirmar que a história não é um monumento imóvel, mas um campo vivo de disputa, memória e revisão constante.

# José Tavares é escritor e pesquisador do Cangaço
