Por José Tavares de Araújo Neto

Há uma curiosa obsessão de setores conservadores radicalizados em transformar a palavra comunista em rótulo universal para qualquer pessoa que ouse defender políticas públicas, inclusão social ou a dignidade das minorias.

O termo deixa de designar uma corrente histórica e econômica específica e passa a funcionar como xingamento automático, disparado contra quem questiona desigualdades ou se recusa a naturalizar a miséria.

Essa lógica não é nova.

Já foi denunciada, com clareza e ironia, por Dom Hélder Câmara, pensador cristão comprometido com a justiça social, ao afirmar:

“Se dou pão aos pobres, me chamam de santo. Se pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista.”

A frase revela o incômodo profundo que o questionamento estrutural provoca.

A caridade pontual é tolerada porque não ameaça a ordem.

A pergunta sobre as causas da pobreza, essa sim, desestabiliza privilégios e expõe injustiças.

Os setores conservadores radicalizados aceitam, quando muito, gestos individuais de solidariedade, desde que não se transformem em política pública.

Esses mesmos grupos ideológicos aceitam o assistencialismo ocasional, principalmente em períodos eleitorais, mas rejeitam o debate sobre direitos.

O problema não é ajudar os pobres.

O problema é reconhecer que a pobreza não é fruto do destino, da preguiça ou da vontade divina, mas de escolhas políticas, econômicas e históricas.

Quando alguém aponta isso, passa imediatamente a ser tratado como inimigo ideológico.

Nesse discurso simplificador, defender saúde pública vira “coisa de comunista”.

Lutar por educação inclusiva vira “doutrinação”.

Exigir respeito às minorias vira “ameaça à família”.

A estratégia é clara: esvaziar o debate, substituir argumentos por rótulos e evitar qualquer reflexão mais profunda sobre desigualdade social, racismo estrutural, exclusão histórica e concentração de renda.

O que incomoda não é o comunismo em si.

O que incomoda é a ética da justiça social.

Incomoda a ideia de que o Estado tenha responsabilidade sobre o bem-estar coletivo.

Incomoda a noção de que a dignidade humana não pode ser privilégio de poucos.

Ao chamar tudo de comunismo, tenta-se deslegitimar a empatia, criminalizar a solidariedade e ridicularizar qualquer compromisso com o bem comum.

Dom Hélder nunca defendeu ideologias partidárias.

Defendeu gente.

Defendeu pão, teto, dignidade e justiça.

Defendeu a pergunta incômoda que toda sociedade precisa fazer a si mesma quando convive pacificamente com a miséria ao lado da abundância.

Sua fé não era alienação.

Era consciência crítica.

Por isso, se defender o que Dom Hélder Câmara defendia for coisa de comunista, então eu sou comunista.

Como diria Zélia Gattai, sou comunista graças a Deus.

# José Tavares é escritor e pesquisador do Cangaço

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